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Comportamento
23/03/2020 14:28:00
Confinados, casais lutam contra dificuldades da hiperconvivência
Todos os serviços não essenciais serão fechados. Com isso, a temporada de recolhimento de muitos casais pode se estender

Folha/PCS

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Dois meses após se casarem, Amanda Santana Portela, 23, e Ricardo Kaluan de Oliveira, 27, estão, desde quarta-feira (18), 24 horas por dia juntos em casa. Ela é analista de comunicação. Ele, analista de compras. Ambos passaram a fazer home office devido à pandemia causada pelo novo coronavírus.

Em sua opinião, o casal:

a) Ganhou uma nova lua de mel e a oportunidade de se conhecer ainda melhor.

b) Ganhou um grande problema e a oportunidade de descobrir o que um não suporta no outro.Por ora, a reposta do casal parece ser a primeira alternativa. "Estamos ocupando a mesa da sala [para trabalhar] e 'brigando' por espaço. Fora isso, estamos bem, por enquanto", diz Ricardo em tom de brincadeira.

"Casamos recentemente e não tínhamos ainda ficado assim, os dias inteiros juntos.""Ele deve estar me odiando, mas não sabe ainda. Como é muito recente está ok", completa Amanda. "

"Mas na segunda e na terça passei o dia inteiro aqui sozinha trabalhando e foi muito mais difícil", diz ela.Ao fim da primeira semana trabalhando de casa, os dois se divertem com as novas dificuldades como a adaptação do espaço de trabalho e da rotina do casal.

"A algumas coisas nós vamos nos adaptar. Com outras vamos aprender", diz Ricardo. "Já botei na minha cabeça que serão de dois a três meses para as coisas começarem a voltar ao normal."A partir de terça-feira (24), o estado de São Paulo, que concentra o maior número de mortes por Covid-19, entra em quarentena oficial por 15 dias, anunciada pelo governador João Doria (PSDB) no último sábado (21).

Todos os serviços não essenciais serão fechados. Com isso, a temporada de recolhimento de muitos casais pode se estender.

Assim como os dois, o casal Isabelle Poltronieri, 30, e Daniel Poltronieri, 31, está em fase de adaptação à rotina a dois 24 horas durante os sete dias da semana. Ela é analista de marketing de uma empresa do setor de saúde; ele é gerente comercial de uma fabricante de bebidas. Casados há quatro anos, o único contratempo que tiveram na semana foi em decorrência do trabalho.

"O maior problema foi quando tivemos que fazer duas videoconferências ao mesmo tempo, ela num cômodo e eu no outro, nenhum dos dois com fones de ouvido", diz Daniel. "No relacionamento, vamos ter que criar regras profissionais.

"Um dos primeiros pontos para fazer a convivência dar certo, de acordo com Isabelle, é reconhecer que algumas situações que geram tensão serão inevitáveis. "Os conflitos vão existir. É impossível não ter, mas eles se resolvem com base na conversa e no entendimento", diz ela.

Sobre isso, o psicanalista Flávio Carvalho Ferraz, professor do Instituto Sedes Sapientiae, dá uma dica importante para manter a convivência a dois saudável: "Agora é hora de lembrar do que é essencial, de não se preocupar com detalhes, pequenos prazeres e confortos. É hora de dividir tudo", afirma.

Na última semana, Flávio passou atendendo seus pacientes em sessões pela internet, e os relatos de seus pacientes passaram pelas dificuldades de manter a vida do casal e da casa em harmonia. Ao mesmo tempo em que redes de solidariedade se formam, por exemplo, em vizinhanças e condomínios -com pessoas jovens se oferecendo para fazer e levar as compras de idosos-, dentro de casa as coisas podem não ir tão bem, diz o psicanalista.

Segundo Flávio, problemas de relacionamento e neuroses que já existem tendem a se manifestar na atual situação de quarentena. Os tipos de conflito que podem surgir também se relacionam com a classe social das pessoas.

Para algumas, assumir as funções domésticas da empregada dispensada em tempos de pandemia é uma fonte de estresse e origem de brigas.Para outras, porém, o estresse surge de fatores mais inevitáveis. "Dentro de casa há problemas de todos os tipos, como as pessoas que vivem em casas muito pequenas em que não há espaço. Já soube de situações em que o casal está se revezando entre quem fica no apartamento e quem vai para a garagem trabalhar de dentro do carro", afirma.

A vida dos casais em home office e com filhos tem desafios a mais. No caso de Gabriela Lobianco, 38, e Erin Egan, 32, pais de Cecília, 5, as dificuldades se somam ao fato de estarem em outro país, longe da família.Ela trabalha como gerente de atendimento e ele é engenheiro sênior de empresas de tecnologia, em Cork, na Irlanda. Ambos estão trabalhando de casa desde o dia 9 deste mês. "A dificuldade maior é associar a agenda de trabalho aos cuidados com a nossa filha", diz Gabriela.

Erin está trabalhando no escritório, e Gabriela tem usado a mesa da sala de estar. "Acabo atendendo as demandas dela, de ajeitar algo para ela comer até trabalhar com ela no colo", diz.

Flávio Ferraz explica que às tensões normais de um período de convivência fora dos padrões, mesmo para casais, se soma um fator completamente novo: o medo. "Os casais estão experimentando um convívio inédito junto com o temor do contágio", diz o psicanalista.

Excesso de convivência e medo do coronavírus à parte, há quem encare essa situação de forma positiva e veja uma oportunidade para cuidar mais de quem se ama.Em Belo Horizonte, a arquiteta Paula Pedrosa, 34, vinha sentindo a necessidade de desacelerar sua rotina de trabalho e passar mais tempo com a família desde o final de 2019.

Em casa, as responsabilidades de limpeza e arrumação foram divididas ela, o marido e a filha de 11 anos, e todos têm cooperado. Para se manter firme, e ser uma espécie de centro emocional da família, ela evita acompanhar as notícias sobre a pandemia na televisão e internet, mas se mantém bem informada com o auxílio de todos.

"Claro que não queria que isso estivesse acontecendo, mas estou tentando focar na família e em coisas boas", afirma.

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