Terça-Feira, 29 de Julho de 2025
Geral
28/07/2025 12:22:00
MPMS quer devolução de fazenda tomada em possível venda de sentença
Imóvel no Pantanal, mantido com acusados de estelionato por decisão de desembargadores, agora pode voltar para a vítima

CE/PCS

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Se, na esfera cível, a venda possivelmente fraudulenta de uma fazenda de 5,9 mil hectares em Corumbá foi validada pelo Poder Judiciário, que manteve a posse da propriedade em nome do casal Lydio de Souza Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres, mesmo diante de evidência de golpe no vendedor, o pecuarista Ricardo Cavassa de Almeida, na esfera criminal, a resolução – em que o casal é acusado de estelionato – do caso parece estar tomando caminho distinto.

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) estabeleceu como condição para livrar o casal de uma possível condenação o desfazimento do negócio feito, segundo a Promotoria, mediante fraude.

A aquisição da Fazenda Vai Quem Quer, localizada no Pantanal da Nhecolândia, em Corumbá, e avaliada em R$ 15 milhões, foi validada em julgamento proferido pelos desembargadores investigados na Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal (PF), que apura um esquema de venda de sentenças na mais alta Corte da Justiça de Mato Grosso do Sul.

A atuação conjunta dos desembargadores – todos eles afastados de suas funções pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – foi flagrada no conteúdo das mensagens do telefone celular do desembargador Sideni Soncini Pimentel.

Nas conversas, Sideni Pimentel indica uma atuação conjunta com outros dois desembargadores, Alexandre Bastos e Vladimir Abreu, para manter a Fazenda Vai Quem Quer com o casal acusado na esfera criminal de aplicar um golpe no vendedor da propriedade, o pecuarista e empresário Ricardo Cavassa de Almeida.

A promotora responsável pelo caso, Suzi Lúcia Silvestre da Cruz D’Ángelo, estabeleceu condições para Lydio e Neiva escaparem da condenação criminal pela prática de estelionato na compra da fazenda, como comparecer todos os meses à Justiça para informar suas atividades, comunicar o juízo em caso de eventual mudança de endereço e, a mais importante das condições, o compromisso de rescindir o negócio da compra da fazenda, que ainda não foi transferida para o nome do casal, que mantém apenas a posse da propriedade graças à decisão suspeita dos três desembargadores na área cível.

A proposta, segundo a promotora de Justiça, é para reparar os danos a Ricardo Cavassa.

A resolução do caso está próxima. O juiz da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, Roberto Ferreira Filho, marcou audiência entre as partes no dia 29 de setembro, para o oferecimento da proposta do MPMS de supensão condicional do processo, medida em que o acusado pelo crime se livra das acusações e evita uma condenação à prisão e a perda do réu primário, caso aceite o acordo proposto.

Caso o negócio seja desfeito, o casal retoma a propriedade transferida a Ricardo Cavassa, no Vale do Ribeira, em São Paulo (SP).

Na transação envolvendo as duas propriedades, Lydio e Neiva omitiram uma série de vícios e falsificaram certidões para enganar o pecuarista.

Os vícios da fazenda localizada no município de Iguape (SP) eram penhoras, multas ambientais não pagas e áreas embargadas, o que inviabilizaria a fruição da propriedade.

Além disso, as quatro fazendas, que deveriam totalizar 2 mil hectares, tinham, na verdade, apenas 1,67 mil hectares. O golpe foi descoberto após a assinatura do contrato, em que os vendedores usaram documentos falsos para encobrir os vícios das fazendas.

O GOLPE

Cavassa entrou na Justiça para rescindir o contrato de permuta das fazendas após descobrir que os imóveis recebidos em troca tinham diversos gravames ocultos. Na esfera cível, em primeira instância, ele venceu a ação e obteve a reintegração de posse.

No entanto, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) reformou a sentença e deu ganho de causa ao casal Lydio e Neiva Rodrigues, validando o contrato e rejeitando os argumentos de Cavassa.

A Polícia Federal, no âmbito da Operação Ultima Ratio, encontrou indícios de que a decisão no TJMS foi manipulada.

Em mensagens apreendidas no celular do desembargador Sideni Soncini Pimentel, ele orienta seu assessor a elaborar um voto divergente do relator Alexandre Bastos, mesmo antes de o voto ter sido apresentado oficialmente.

O conteúdo das mensagens aponta intenção de alterar o resultado favorável a Cavassa e impedir a rescisão contratual.

A suspeita ganhou força quando se constatou que o desembargador Alexandre Bastos mudou seu posicionamento. Inicialmente, conforme minuta encontrada no celular de Pimentel, Bastos reconhecia vícios no contrato, mas no voto oficial mudou sua posição e sustentou que Cavassa não poderia cobrar providências da outra parte naquele momento, argumento que levou ao indeferimento da ação.

Paralelamente, os vendedores da fazenda, Lydio e Neiva, venderam parte do imóvel ao próprio advogado antes mesmo da decisão judicial definitiva. O contrato de venda previa o pagamento condicionado à vitória na apelação.

A PF vê nesse ato um indício de que os envolvidos tinham conhecimento prévio do desfecho judicial, o que reforça a tese de que houve negociação da sentença no Tribunal.

Este foi um dos casos que levou a PF a solicitar ao STF a abertura de ação penal contra sete desembargadores acusados de envolvimento em venda de decisões judiciais, cinco dos quais estavam na ativa no TJMS.

Apesar da gravidade das acusações, não houve indiciamento formal dos desembargadores, por causa do foro privilegiado. O processo tramita sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, do STF, e apenas um dos desembargadores investigados segue no cargo, enquanto os demais estão afastados.

Há a expectativa de que a Procuradoria-Geral da República se manifeste em breve nos autos. Essa manifestação poderia ser uma denúncia (o início de um processo criminal) ou pedidos de arquivamento e de mais digilências.

As investigações da Operação Ultima Ratio continuam.

SAIBA Os quatro desembargadores que foram alvo de operação que investigou a venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) continuam afastados do cargo, por decisão do STF.

Decisão do ministro Cristiano Zanin prorrogou, em abril deste ano, a decisão anterior, de outubro de 2024. Continuam fora do TJMS Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues e Alexandre Bastos.

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