FP/PCS
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um amplo pacote de medidas para impulsionar o mercado imobiliário no país. As mudanças incluem um novo modelo de crédito habitacional, com o uso mais flexível de recursos da poupança e mecanismos para fomentar a contratação de financiamentos corrigidos pela inflação.
A linha de crédito para reformas e melhorias também será incluída no conjunto de ações. Segundo técnicos envolvidos nas tratativas, o governo deve anunciar pelo menos R$ 7,5 bilhões para esses financiamentos em 2025 e um valor igual para 2026, ano eleitoral.
Auxiliares de Lula afirmam que o presidente pediu ajustes no novo programa para reformas, que tinha apenas R$ 3 bilhões garantidos inicialmente. A preocupação do petista era que o dinheiro acabasse rapidamente, o que geraria repercussão negativa em torno de uma política que é aposta do governo para melhorar seus índices de popularidade.
O anúncio conjunto das medidas também é, segundo os relatos, um pedido de Lula, que almeja apresentar "algo grande" em aceno à classe média.
As discussões envolvem diferentes ministérios do Executivo, além do Banco Central e da Caixa Econômica Federal.
Na semana passada, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, apresentou as propostas a Lula em reunião no Palácio do Planalto. Nos últimos dias, a instituição também intensificou as conversas sobre o tema com representantes dos bancos e do setor da construção.
Segundo interlocutores a par das discussões, o novo modelo de crédito habitacional prevê maior flexibilidade no uso de recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).
Hoje, os bancos recebem os depósitos dos clientes na poupança e precisam direcionar a maior parte para operações de financiamento imobiliário, além de deixar 20% do valor depositado compulsoriamente no Banco Central.
A proposta é que os bancos possam usar uma parte do que hoje está no compulsório, por um período determinado e casado com novos financiamentos imobiliários concedidos pelas instituições. Segundo um técnico, a cada R$ 1 de crédito, R$ 1 do compulsório seria liberado.
O dinheiro, porém, não ficaria carimbado como fonte de financiamento (funding) da operação de crédito habitacional. O banco poderia pegar o recurso da poupança e aplicar onde quisesse, inclusive títulos de longo prazo, desde que casado com o prazo de vencimento do empréstimo concedido.
Outro técnico diz que o desenho cria uma espécie de subsídio cruzado, já que os recursos da poupança são mais baratos para as instituições financeiras. Com a flexibilização, elas conseguiriam ampliar seus ganhos em outras frentes e manter melhores condições financeiras no crédito habitacional, sobretudo num ambiente de juros elevados.
Estimativas conservadoras indicam que a nova regra injetaria pelo menos R$ 40 bilhões em novos recursos no mercado. Nas conversas com o Executivo, o BC sinalizou que a medida pode reduzir as taxas de juros do crédito imobiliário. Essa leitura é compartilhada por atores do mercado, embora o tamanho do impacto seja considerado marginal.
Publicamente, Galípolo defende uma mudança estrutural no financiamento imobiliário diante da necessidade de migrar para um funding que dependa menos da poupança, dado o seu esgotamento. Segundo ele, é preciso um regime de transição para o novo modelo.
"A gente entende que deveria buscar alternativas de captação no mercado junto com outras alternativas e blends [combinações] usando os recursos que nós temos disponíveis para fazer essa transição", afirmou o presidente do BC a jornalistas na semana passada.
Dentro do governo, há preocupação em garantir que os financiamentos adicionais beneficiem a classe média, seguindo as regras do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), que financia imóveis de até R$ 1,5 milhão.
A pedido do Executivo, o SBPE também passará a financiar operações de crédito para melhorias e reformas. Hoje, os recursos da poupança só podem ser empregados na aquisição ou construção de imóveis.
A mudança vai ampliar os recursos disponíveis para a nova linha de crédito de melhorias, a ser anunciada pelo presidente. Há R$ 7,5 bilhões já garantidos, que virão do Fundo Social do Pré-Sal e serão destinados às famílias das faixas 1, 2 e 3 do Minha Casa, Minha Vida. Nessa modalidade, os subsídios serão maiores.
Ainda assim, segundo estimativas internas do governo, o valor seria suficiente para bancar apenas 375 mil operações de R$ 20 mil, em média, o que foi considerado pouco pelo presidente.
Flexibilizar o uso da poupança para financiar reformas habitacionais garante que, se o dinheiro disponibilizado pelo Fundo Social acabar, as linhas não ficarão totalmente paralisadas. Mesmo que as taxas de juros cobradas fiquem um pouco maiores, as famílias ainda terão opções.
Por outro lado, essa parcela dos recursos deve beneficiar apenas famílias com imóveis com escritura regular, uma vez que as regras do SBPE exigem garantias para concessão do financiamento -exigência que será mantida.
A mudança nas regras da poupança deve ajudar na transição para um modelo de financiamento imobiliário mais próximo das condições de mercado. O BC quer incentivar a captação de recursos pelos bancos por meio de outros instrumentos, como a LCIs (Letras de Crédito Imobiliário). Para isso, outra vertente do pacote busca destravar a linha de crédito imobiliário atrelada ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Lançada em 2020, a modalidade perdeu atratividade após a aceleração da inflação, que fechou o ano de 2021 em 10,06% e deflagrou uma série de processos de portabilidade de financiamentos, devido ao impacto da correção sobre o saldo da dívida.
O BC tem interesse em fomentar essa linha porque, além de um juro potencialmente menor para as famílias, a modalidade tem taxas mais próximas das praticadas pelo mercado. Esse é um elemento crucial para viabilizar um mercado secundário -no qual os bancos conseguem se desfazer dos contratos e vendê-los para outros investidores, recuperar o dinheiro mais rapidamente e conceder novos empréstimos.
Hoje, no entanto, as famílias têm pouco apetite por essa linha, devido ao risco de aumento significativo da prestação em decorrência de uma aceleração da inflação. Por isso, o BC prepara uma mudança para minimizar os efeitos dessa oscilação sobre as parcelas.
Nas condições atuais, a prestação inicial de um financiamento imobiliário corrigido pela inflação é até 30% menor do que um contrato atrelado à TR (taxa referencial). A proposta em discussão prevê um adicional de amortização no começo do contrato, para que o mutuário comece pagando uma parcela mais próxima da que seria cobrada no contrato com TR. Se a inflação acelerar, em vez de a prestação subir, ela cairia menos do que o previsto pelo SAC (Sistema de Amortização Constante), ou ficaria no mesmo patamar.
Em declarações públicas, Galípolo tem dito que a apresentação das medidas caberá a Lula, uma vez que a discussão com os participantes envolvidos no tema tenha sido encerrada.