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Comportamento
12/09/2025 17:11:00
Homens se matam mais, mas preconceito ainda os afasta do cuidado
De acordo com Ministério da Saúde, os homens se matam quase quatro vezes mais que as mulheres

CGN/PCS

Futebol, trabalho, política, dinheiro. Entre amigos ou na família, os assuntos mais comuns na roda masculina dificilmente incluem sentimentos. Falar de fragilidades ou inseguranças segue sendo tabu, e isso tem consequências graves. De acordo com dados do Ministério da Saúde, os homens se matam quase quatro vezes mais que as mulheres: 9,9 mortes por 100 mil habitantes, contra 2,6.

O professor Leonardo Leite, da Estácio, explica que essa diferença é fruto de fatores culturais e sociais. “As mulheres, pela dupla ou tripla jornada e por situações como violência e discriminação, acabam mais expostas ao sofrimento psíquico, o que explica em parte a maior procura por ajuda. Mas isso não significa que os homens não sofram. A diferença é que eles são socializados para reprimir sentimentos e evitam falar sobre vulnerabilidades”, afirma.

Esse silêncio, segundo ele, se sustenta na ideia de que buscar ajuda psicológica é sinal de fraqueza. “Ainda existe o estigma de que o homem que procura terapia é fraco ou incapaz de resolver seus próprios problemas. Esse constrangimento faz com que muitos evitem compartilhar suas dores e tentem resolver sozinhos, o que só agrava o problema”, acrescenta.

A faixa etária mais atingida é a dos 15 aos 29 anos, justamente quando surgem os primeiros sintomas de depressão e ansiedade, somados às pressões do início da vida adulta. Além de resistirem ao tratamento, muitos homens buscam “válvulas de escape” que pioram a situação. “O uso abusivo de álcool e drogas, por exemplo, é comum como forma de anestesiar sintomas de ansiedade ou tristeza. Essas substâncias até oferecem alívio momentâneo, mas depois intensificam os sintomas e podem levar à dependência. É uma solução aparente que retroalimenta o problema”, explica Leite.

Outro dado alarmante está nos métodos escolhidos. Homens recorrem mais a formas letais, como enforcamento e armas de fogo. A ingestão de álcool, presente em grande parte dos casos, ainda atua como um “desinibidor”, favorecendo atitudes impulsivas.

Os sinais iniciais são insônia, crises de irritabilidade, isolamento, que muitas vezes passam despercebidos. Só quando a vida pessoal, profissional e familiar já está comprometida é que eles procuram ajuda. “O que poderia ser resolvido com uma intervenção rápida e eficaz acaba se transformando em pedido de socorro tardio. E quando o homem procura ajuda, já é porque sua vida está bastante desestruturada”, observa o professor.

Esse atraso torna o tratamento mais longo e complexo, ampliando o sofrimento também das famílias, que nem sempre conseguem identificar os sinais a tempo.

Apesar disso, Leonardo acredita que é possível mudar. “Precisamos ensinar nossos filhos, sobrinhos e irmãos que falar sobre sentimentos é legítimo. Esse hábito precisa ser cultivado desde a infância para que as próximas gerações cresçam entendendo que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem”, defende.

Para ele, o acolhimento também faz diferença. “Quando um pai, um tio ou um amigo dá sinais de sofrimento, o ideal não é julgar, mas escutar e oferecer apoio. Esse gesto simples pode salvar vidas”, completa.

Em Campo Grande, a Estácio busca contribuir com esse esforço coletivo. O Serviço-Escola de Psicologia (SEP) atende pacientes encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde. Neste semestre, 30 estagiários acompanham dois pacientes fixos cada um, somando cerca de 240 atendimentos mensais gratuitos à comunidade.

O desafio do Setembro Amarelo, voltado à prevenção do suicídio, é justamente romper esse ciclo de silêncio entre os homens.