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Economia
04/07/2025 15:12:00
Carro financiado: mudança em regra facilita perda de veículo para o banco

UOL/PCS

Você comprou um carro financiado, atrasou algumas parcelas e, de repente, pode se ver sem o veículo - tudo isso sem a necessidade de judicializar o caso.

Isso já está acontecendo no Brasil e deve se tornar cada vez mais comum.

A resposta está em uma mudança importante na lei: o chamado Marco Legal das Garantias, sancionado em outubro de 2023.

Ele atualizou as regras para empréstimos com bens dados como garantia, como veículos. Antes, se o cliente parasse de pagar, o banco precisava entrar na Justiça e esperar meses (às vezes anos) para conseguir a retomada do bem. Agora, em muitos casos, isso pode ser feito muito mais rapidamente.

O que mudou na legislação

O Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023) foi aprovado com a promessa de baratear o crédito e dar mais segurança jurídica aos bancos.

Uma das principais mudanças foi permitir que a execução de garantias fosse feita por vias extrajudiciais, ou seja, diretamente por cartórios ou por meio dos Detrans (departamentos estaduais de trânsito), desde que isso esteja previsto no contrato de financiamento.

Essa mudança gerou reações imediatas. Entidades como a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e grupos de oficiais de justiça entraram com ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal), alegando que isso violaria o direito ao contraditório e a ampla defesa.

Mas o STF já validou a nova regra, com o ministro Dias Toffoli propondo ajustes para proteger os direitos do devedor, como a proibição do uso de violência, respeito à intimidade e à necessidade de notificações formais.

Na prática, o que isso significa?

Significa que ficou mais fácil (e rápido) para os bancos retomarem veículos de quem está inadimplente.

E isso já está acontecendo. O primeiro projeto-piloto aconteceu no Mato Grosso do Sul, onde o Detran local foi o primeiro do país a regulamentar a retomada extrajudicial, após a Resolução 1.018 do Contran, que orienta os estados sobre o novo procedimento.

O piloto envolveu quatro veículos. Em dois casos houve negociação durante a notificação e, em outros dois, os carros foram efetivamente retomados, sem intervenção judicial. A retomada foi feita de forma pacífica, com o devedor assinando um termo. A polícia só foi acionada para dar suporte, mas não houve necessidade de uso de força.

O Mato Grosso do Sul saiu na frente porque já tinha uma estrutura tecnológica integrada com as registradoras que fazem a ponte entre bancos e os órgãos de trânsito. Outros estados, como São Paulo, ainda estão estruturando suas normas, mas devem seguir o mesmo caminho.

Juros altos e calote em alta

Esse avanço dos bancos também se explica pelo momento delicado do mercado. A taxa média de financiamento automotivo no Brasil chegou a 28,9% ao ano, segundo a B3 - uma das mais altas da história. E a inadimplência está subindo: 4,71% dos contratos estão com mais de 90 dias de atraso, enquanto a média geral do sistema financeiro nacional é de 3,5%.

Para os bancos, recuperar rapidamente o bem se tornou essencial para evitar prejuízos e, no futuro, até reduzir as taxas cobradas, embora isso ainda esteja por acontecer.

Como é feita a retomada extrajudicial?

O processo começa com a notificação do devedor por carta e meios digitais. Depois de 20 dias sem resposta, o banco pode pedir uma "restrição de circulação" ao Detran. Se o carro for parado em uma blitz, por exemplo, pode ser levado para um pátio e devolvido ao credor. Também é possível que o banco contrate um localizador para encontrar o carro. Diferentemente da retomada judicial, não é mais necessário um oficial de justiça para apreender o bem.

Por enquanto, o processo só pode acontecer em espaços públicos e durante o dia (entre 6h e 18h, de segunda a sexta). Mas os bancos defendem a ampliação desse horário. A ideia, segundo eles, não é tomar carros indiscriminadamente, mas incentivar a renegociação antes da retomada.

O que você precisa saber se financiou um carro

Com as novas regras, atrasar parcelas pode levar à perda do veículo em muito menos tempo do que antes.

Por outro lado, isso também pode trazer mais agilidade na negociação da dívida e evitar que ela vire uma bola de neve.

O alerta está dado: ficou mais fácil perder o carro para o banco. Em um cenário de juros altos e crédito apertado, é fundamental ficar atento às novas regras e, se surgir um problema, buscar negociar antes que o carro vá embora, literalmente.