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ImprimirA indústria automotiva brasileira está em estado de alerta. Nesta quarta-feira (30), o Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-CAMEX), vinculado ao governo federal, realiza uma reunião extraordinária para deliberar sobre pleitos apresentados pela BYD, que pedem a redução de tarifas de importação para veículos eletrificados desmontados nos regimes SKD (semidesmontados) e CKD (completamente desmontados).
O movimento da montadora chinesa ocorre às vésperas de uma mudança importante no cenário internacional: os Estados Unidos impõem tarifas de 50% sobre produtos brasileiros já nesta sexta-feira (1/8). A expectativa em Brasília é de forte debate, inclusive porque o presidente Lula é um forte entusiasta da instalação de fábricas de montadoras chinesas no país.
Carta de montadoras a Lula eleva tom do setor
Uma das movimentações mais incisivas até agora partiu de quatro grandes montadoras, Volkswagen, Toyota, General Motors e Stellantis, que assinaram uma carta conjunta endereçada diretamente ao presidente Lula, com críticas ao pleito da BYD e apelo para que o governo mantenha a política industrial em favor da produção nacional.
Na carta, afirmam que "ao contrário do possa parecer, a importação de conjuntos de partes e peças representam não será uma etapa de transição para um novo modelo de industrialização, mas representará um padrão operacional que tenderá a ser consolidado e prevalecer, reduzindo a abrangência do processo produtivo nacional e, consequentemente, o valor agregado e o número de geração de empregos".
As montadoras também afirmaram que a indústria planeja investir R$ 180 bilhões nos próximos anos, e reforçam a importância da previsibilidade nas regras. O documento foi enviado à Presidência no último dia 15 e marca um alinhamento público entre concorrentes diretos em torno de uma causa comum: evitar a concessão de vantagens tributárias para veículos importados parcialmente montados.
Anfavea articula rede de apoio
Já a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) lidera um movimento mais amplo, com ofícios encaminhados ao vice-presidente Geraldo Alckmin e ao ministro da Casa Civil Rui Costa, apoiado por diversas entidades do setor, como federações da indústria de e sindicatos de autopeças. A associação destaca dados como:
A existência de R$ 180 bilhões em investimentos anunciados até 2030 pelas associadas;
O risco de "retrocesso" caso a política tarifária seja flexibilizada para kits importados com baixo valor agregado;
E a constatação de que a produção nacional já vem enfrentando retração, enquanto as importações crescem.
A Anfavea afirma que a produção local gera até 10 empregos indiretos por vaga, enquanto os kits importados geram apenas 2 ou 3. E alega que o governo chinês injetou R$ 1,5 trilhão em subsídios no setor automotivo ao longo de 14 anos, criando um cenário de concorrência assimétrica.
Abipeças e Sindipeças falam em "favorecimento injustificado"
O setor de autopeças também entrou em campo. Abipeças e Sindipeças, em ofício enviado a Lula e Alckmin, se dizem "absolutamente contrários" à concessão do benefício, e alertam para o impacto direto sobre fornecedores locais. Segundo as entidades, a entrada massiva de kits estrangeiros pode desestimular a homologação de peças nacionais e levar à revisão de investimentos em curso.
Cláudio Sahad, presidente das duas entidades, afirma que o pedido da BYD "favorece competidores externos em clara desvantagem para a produção local". Ele também defende a antecipação da elevação tarifária prevista no cronograma oficial, de modo a restabelecer a proteção da indústria nacional mais rapidamente.
Federações e sindicatos se mobilizam em todo o país
As federações de indústrias dos estados de São Paulo (Fiesp), Minas Gerais (Fiemg), Goiás (Fieg), Paraná (Fiep), Santa Catarina (FIESC), Rio de Janeiro (Firjan), Pernambuco (FIEPE) e Rio Grande do Sul (FIERGS) se manifestaram formalmente contra os pedidos da BYD à CAMEX.
Cada uma destacou as especificidades regionais afetadas pela possível mudança. A FIEPE, por exemplo, chama atenção para a fábrica da Stellantis em Goiana (PE), que responde por 44% dos empregos formais da cidade e já recebeu mais de R$ 8 bilhões em investimentos. Já a FIESC cita as operações da GM e da BMW em Santa Catarina, que, segundo a entidade, seriam diretamente prejudicadas por um incentivo sem exigência de nacionalização.
Os sindicatos de metalúrgicos também se mobilizaram. CUT, Força Sindical e outras centrais, junto com sindicatos do ABC, Sorocaba, Caxias do Sul e Juiz de Fora, assinaram um documento conjunto alertando que uma política de incentivos sem conteúdo local pode significar uma nova onda de desindustrialização no setor automotivo.
O que diz a BYD
A BYD, ao fazer o pedido ao governo, argumentou que a redução temporária nas alíquotas é necessária para viabilizar a nacionalização de sua linha de produção, que começou a operar em Camaçari (BA) em junho. A montadora prevê, inclusive, uma visita do presidente Lula à unidade em agosto.