Veja/PCS
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O Ministério Público Federal atua de forma decidida para desmoralizar os Poderes Legislativo e Executivo. Tem sido, com frequência, bem-sucedido. Está aí a descrença generalizada na política. Faltava atingir o coração do Poder Judiciário. Já não falta. Pior do que isso: a chicana já havia atingido a Corte pelas mãos de Edson Fachin e Cármen Lúcia, a presidente da Casa. Já chego lá. O que foi desta vez?
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, encaminhou a Cármen uma petição para que Gilmar Mendes seja declarado impedido de votar qualquer coisa que diga respeito ao empresário Eike Batista. Como consequência, a liminar favorável concedida pelo ministro a pedido de habeas corpus do empresário perderia validade. A coisa é grave. Especialmente porque tem o cheiro inequívoco da armação.
A liminar de Mendes foi concedida no dia 28. Janot demorou dez dias para “descobrir” que Mendes estaria impedido? É uma patacoada técnica e moral. O relator natural, em casos assim, é o presidente da Corte — no caso, Cármen. Ela pode, monocraticamente, mandar arquivar a petição ou levar o caso a plenário. A minha aposta. Talvez ela cozinhe um pouco o galo e mande arquivar.
Ah, sim: Janot pede que Mendes e Eike prestem… depoimento!
Já tratei do assunto neste blog. No dia seguinte à concessão do habeas corpus, teve início uma corrente na Internet, com vasos comunicantes explícitos com o MPF e a Lava Jato, alegando que Mendes deveria ter se declarado suspeito para votar porque a advogada Guiomar Mendes, sua mulher, trabalha no escritório de Sérgio Bermudes, do qual Eike é cliente em matérias da área cível.
Argumentei o óbvio. A matéria que corre no Supremo é penal. E o Código de Processo Penal trata, sim,das circunstâncias do impedimento no Artigo 252, que transcrevo:
*Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:*
*I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;*
*II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;*
***III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
*IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.*
Como se nota, não se aplica ao caso. Janot apela ao Inciso VIII do Artigo 144 do Código de Processo Civil, que também segue abaixo:
“Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
(…) em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;”
Como já escrevi aqui, “é claro que, em casos de omissão aqui e ali de determinado código processual, pode-se apelar a outro como inspiração ou mesmo modelo para criar jurisprudência. Não é o caso. O Código de Processo Penal não é omisso sobre as causas de impedimento de um juiz. Logo, o ‘processo’ de que trata o Civil não é aquele de que trata o Penal.”
Má-fé
E Janot sabe muito bem disso. Tem clareza de que sua argumentação é uma farsa grotesca. E é preciso, sim, indagar se não age de má-fé. A razão dessa indagação é óbvia. No dia 10 de abril, o mesmo Mendes havia negado extensão a Eike de habeas corpus concedido a Flávio Godinho. Pois é… Ninguém se lembrou de dizer: “Epa! Gilmar tem de se declarar impedido; não tem isenção para tomar decisões sobre Eike”.
Quer dizer que uma mesma circunstância pode ser um impedimento para mandar soltar, mas não para manter preso? Como é que essa gente se olha no espelho?
Que os senhores ministros do Supremo não se enganem. O alvo não é Gilmar Mendes. O alvo é a corte suprema do país. Os senhores procuradores já anunciaram há tempos a disposição de “refundar a República”. Mais de uma vez, Deltan Dallagnol deixou claro que não se deve confiar muito na Justiça para… fazer justiça! Vídeos às pencas, estrelados por procuradores-artistas, anunciam que só a dita mobilização popular salva a Lava Jato.
Baguncismo interno
O baguncismo já havia chegado ao Supremo — infelizmente, pelas mãos de Edson Fachin, o relator do petrolão, com a complacência de Cármen, candidata à Presidência, por via indireta, de alguns “donos do poder” caso Michel Temer perca o mandato no TSE. Há malucos investindo nisso.
Esses dois ministros fizeram uma triangulação com Janot para que o caso do habeas corpus de Antonio Palocci fosse julgado pelo Pleno, não pela Segunda Turma. A decisão, por óbvio, desmoraliza a ideia de “turmas”. Pergunta rápida: se um simples HC requer o concurso de 11 ministros, por que é legítimo que apenas cinco decidam uma prisão que pode durar muitos anos? Sempre destacando que bastam três votos, então (27,27% do tribunal), para que isso aconteça.
Só para lembrar: Fachin havia se posicionado contra a concessão de outros HCs. Perdeu na turma. Pelo visto, ele só acha o jogo legítimo quando ganha. É claro que o envio da questão para o Pleno desmoraliza a Segunda Turma, que, de resto, não teve composição fixa em favor da soltura: Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, por exemplo, ora votaram “sim”, ora “não”.
Argumentação abjeta agride advocacia
Janot alega que Guiomar Mendes é sócia do escritório e, nessa condição, parte do que recebe viria do próprio…, Eike Bastista, já que este é cliente de Sérgio Bermudes. É asqueroso! É abjeto!
Ela é “sócia” como, na prática, “sócios” são quase todos os advogados que se associam a escritórios. É uma prática do setor. Se o honorário de um advogado for considerado uma fração dos recursos dos clientes, ainda chegará o dia em que os defensores passarão a ser considerados cúmplices de réus e acusados. O raciocínio criminaliza a própria advocacia. Mas cadê as entidades de advogados, a começar da OAB? Estão mudas. Como diria Temer, elas se “acoelharam”.
Há muitos irresponsáveis batendo palmas para maluco dançar! E eles dançam.
Rodrigo Janot deveria se juntar ao general Heleno, da reserva, aquele que não gosta nem do Congresso nem do Supremo, e tentar dar um golpe de estado.
Os xucros zurrariam de felicidade.