Sábado, 3 de Maio de 2025
Brasil
02/10/2013 10:55:52
ONG pede que multinacionais boicotem açúcar de terras sob disputa no Brasil
"Desconheço processos relacionados a isso no Mato Grosso do Sul", afirma Carlo Daniel Coldibelli, assessor jurídico da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul).

BBC Brasil/AB

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A ONG Oxfam deu início nesta quarta-feira a uma campanha para\n pressionar as multinacionais produtoras de alimentos a se responsabilizar pela\n origem de suas matérias-primas e deixar de comprar commodities que tenham sido\n produzidas em terras em litígio.\n \n De acordo com relatório elaborado pela Oxfam, o comércio\n internacional de açúcar tem incentivado compras e expropriações de terras em\n países como o Brasil, contribuindo para conflitos agrários e prejudicando\n comunidades indígenas e pequenos produtores.\n \n O documento divulgado pela ONG diz que muitas das terras\n adquiridas para a produção de açúcar na última década "estão relacionadas\n a violações dos direitos humanos, perda dos meios de subsistência e fome para\n os pequenos produtores e suas famílias".\n \n Representantes do setor argumentam, no entanto, que a Justiça\n brasileira ainda não tomou decisão definitiva quanto à posse das terras em\n questão e aguardam uma posição das autoridades para rever a compra de produtos\n cultivados nestas áreas.\n \n O Brasil, maior produtor de açúcar, é citado em dois casos pelo\n relatório: em Pernambuco, segundo a Oxfam, uma comunidade de pescadores perdeu\n o acesso a suas terras após ter sido expulsa para dar lugar a uma usina de\n produção de açúcar que supre gigantes do setor.\n \n E, no Mato Grosso do Sul, o relatório diz que "há claros elos\n entre a expansão do agronegócio e o extraordinário nível de violência contra\n populações indígenas".\n \n Os produtores de açúcar da região dizem que a ideia de um boicote\n não faz sentido porque a eventual ocupação irregular de terras seria um crime\n sob a lei brasileira e teria sido denunciada pelo Ministério Público Federal -\n o que, segundo eles, não aconteceu.\n \n "Desconheço processos relacionados a isso no Mato Grosso do\n Sul", afirma Carlo Daniel Coldibelli, assessor jurídico da Famasul\n (Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul).\n \n Relatos de violência,p. A Oxfam argumenta que, ao mesmo tempo em\n que a área cultivada com cana-de-açúcar triplicou entre 2007 e 2012, o Mato\n Grosso do Sul passou a apresentar "a maior taxa de violência contra índios\n - 37 dos 60 deles assassinados no Brasil no ano passado foram mortos no\n Estado", segundo dados fornecidos por grupos como a Pastoral da Terra e o\n Conselho Indigenista Missionário.\n \n O antropólogo Marcos Homero Ferreira Lima, do Ministério Público\n Federal no Mato Grosso do Sul, diz que muitas das mortes registradas no Estado\n se devem a conflitos agrários entre os próprios índios, que passam a disputar\n entre si as terras não ocupadas pelos cultivos.\n \n Mas até mesmo esses conflitos internos são consequência indireta\n da concentração fundiária na região e da lentidão em demarcar terras para\n confirmar sua posse, segundo Ferreira Lima.\n \n "Com a valorização dos terrenos, (produtores) tentam impedir\n que eles se tornem território indígena e lançam mão de artifícios, como\n recursos na Justiça, para evitar demarcações", diz o antropólogo. "Os\n ânimos têm se acirrado bastante."\n \n Ao mesmo tempo, acrescenta Ferreira Lima, o Estado é omisso em\n garantir a segurança dos indígenas, o que também tende a criar um ambiente\n propício à violência.\n \n O governo brasileiro rejeita a alegação de omissão na demarcação\n de terras e diz que busca uma alternativa para viabilizar um acordo entre as\n partes envolvidas na disputa por terras.\n \n O Ministério da Justiça criou recentemente um grupo de trabalho\n para rever o processo de identificação das terras e fazer uma avaliação\n financeira de áreas em disputa.\n \n Após as primeiras reuniões do novo grupo, o ministro José Eduardo\n Cardozo afirmou que "não há uma solução uniforme" para o problema e\n que, em alguns casos, só um acordo entre as partes envolvidas pode evitar que\n os conflitos sejam prolongados pela lentidão da Justiça.\n \n Avanço agrícola\n \n Segundo a Oxfam, os indígenas também estariam sendo afetados pelo desmatamento\n provocado pelo avanço agrícola, pelos pesticidas usados nos cultivos e pelo\n trânsito gerado pelas plantações, que teria causado acidentes na região.\n \n A ONG cita especificamente uma usina adquirida pela multinacional\n Bunge em Ponta Porã\n para a produção de açúcar e etanol e que, segundo o relatório, adquire sua\n matéria-prima de plantações localizadas em áreas indígenas.\n \n A Bunge informou que, como o governo brasileiro nunca oficializou\n a posse das terras aos povos indígenas, "a empresa continua a honrar\n contratos com produtores para a compra da cana dessas terras".\n \n "Prometemos não renovar esses contratos (em 2014). Se, até\n lá, as terras forem consideradas indígenas, interromperemos as compras\n imediatamente", diz comunicado da empresa.\n \n A Bunge é fornecedora de grandes empresas do setor de alimentos\n que estão entre as que a Oxfam quer pressionar em sua campanha.\n \n "As grandes empresas de alimentos e bebidas raramente possuem\n terras, mas dependem da terra para obter as matérias-primas de que necessitam,\n entre elas o açúcar", diz a ONG.\n \n "As empresas do ramo alimentício precisam reconhecer esse\n problema com urgência e tomar providências para garantir que as violações do\n direitos de populações à terra e os conflitos agrários não façam parte de suas\n cadeias de fornecimento."\n \n Políticas de proteção\n \n A ONG argumenta que multinacionais do setor "carecem de\n políticas suficientemente fortes para impedir que a apropriação e a disputa por\n terras façam parte de suas cadeias de fornecimento".\n \n Simon Ticehurst, diretor da Oxfam no Brasil, diz que a ONG entrou\n em contato com as matrizes das multinacionais do setor alimentício e, em alguns\n casos, houve interesse em adotar políticas de proteção a pequenos proprietários\n de terras. "Mas não sabemos ainda se no nível desejado pela nossa\n campanha", afirmou.\n \n "Há pouco controle das empresas, não apenas em relação a\n terras como também a temas como direitos trabalhistas", diz Ticehurst.\n "Mas a questão das terras é o elo mais frágil."\n \n No mundo, a ONG cita também conflitos de terras no Camboja e\n "compras de terra em grande escala" em países como Moçambique, Sudão\n e Zâmbia, que podem gerar problemas semelhantes.\n \n No total, diz a ONG, o comércio mundial de açúcar movimenta US$ 47\n bilhões. No ano passado, foram produzidas 176 milhões de toneladas da\n matéria-prima.
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