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ImprimirUm casal e oito filhos. O mais novo, Geraldo Rufino, brincava com os irmãos nos carros de boi da roça do pai, no interior de Minas Gerais. “Não havia rádio nem televisão. Era o brinquedo que tínhamos, e a vida era um paraíso” lembra Rufino.
Um paraíso que não durou. Um dia, uma forte geada se abateu sobre a plantação do pai de Geraldo, e tudo que tinham se foi. Não teve jeito, a família precisou se mudar para conseguir sobreviver. O destino foi a Favela do Sapé, em São Paulo. O menino, ainda criança, percebeu que a vida podia ser bem complicada.
Além da pobreza, sofreu a primeira grande perda: a mãe de Rufino, que trabalhava como empregada doméstica, morreu de mal súbito. “Vi meu pai chorando. Eu perguntava para ele ‘cadê a mamãe’, e ele só chorava. Sentia um vazio no coração, parecia que estava faltando alguma coisa, mas não entendia o que estava acontecendo”, relata.
Aos 11, começou a trabalhar em uma fábrica de carvão. Tempo depois, saiu do emprego e começou a recolher latas em um lixão próximo da favela na qual morava. Decidiu guardar o dinheiro que conseguiu dentro de latinhas, que enterrou em um terreno. Mas, uma obra foi realizada no local e enterrou de vez as economias de Rufino.
Aos 13 anos, Rufino começou a trabalhar no Playcenter. No início, teve dificuldades em se adaptar, pois uma chefe o aconselhava a não entrar na sala dos diretores - todos racistas, segundo ela. Rufino conta que acabou amigo de muitos e que descobriu que a gerente estava enganada. “Acho que ela queria me proteger."
Proteger e estimular
A mulher o fez voltar a estudar como condição para continuar no emprego. Deu certo. Rufino alçou o cargo de diretor do parque.
Enquanto ascendia na empresa, decidiu realizar um investimento paralelo: comprou uma Kombi e a deu a um dos irmãos para fazer carreto. Rapidamente o negócio evoluiu para dois caminhões. No entanto, ambos os caminhões se envolveram em um acidente simultaneamente, e Rufino acabou "quebrando".
Com os veículos danificados, decidiu desmontá-los para vender as peças e percebeu uma possibilidade de investimento. Era 1985 e nascia a JR Diesel, uma empresa de desmonte de caminhões que em 2013 faturou R$ 50 milhões. “É uma empresa que gera oportunidades e contribui socialmente”, descreve Rufino.
“O negro precisa ter orgulho de ser negro”
Rufino conta que, fora o período no qual acreditou que os diretores do Playcenter eram racistas, nunca sofreu nenhum tipo de descriminação. E mais: não se importa com a opinião dos outros. “Se eu tivesse de nascer de novo, iria querer ser negro, acho um privilégio ser negro.”
Ele também acredita que é preciso lutar contra a desigualdade, mas não crê que exista uma relação direta com a questão racial. “Se você for hoje a uma favela, você vai ver tanto negros, como brancos, amarelos e loiros." Para "vencer na vida", diz, é preciso superar o preconceito. “Se você olhar para o passado, os negros não acreditavam neles, aceitavam a ideia de que eram menores. Os negros que acreditaram que eram iguais e formam hoje a minoria que se destaca tanto no meio empresarial como na política e no esporte”, discorre. “Se é possível o presidente dos Estados Unidos ser negro e ser querido, porque não é possível para os outros?"
“Sou contra o sistema de cotas”
Rufino também não é favorável ao sistema de cotas. Acredita que é mais uma forma de discriminar. "A cota tem de ser social, não racial. Não tem descriminação pior que essa. É uma vergonha mais uma vez colocar na cabeça do negro que ele é inferior. Acho uma humilhação, não uma oportunidade”, argumenta.
Em vez de cotas, defende Rufino, o que o jovem negro precisa é saber que tem competência e que pode sonhar como qualquer pessoa. Ele acredita fazer a sua parte, contando sua história e servindo de inspiração. “Vou à periferia e converso com eles, digo ‘é possível gente, olha eu aqui’. Eu pude e todos vocês podem, vocês tem livre arbítrio.”