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Ciência e Saúde
04/03/2016 14:16:20
Professora com Guillain-Barré perde todos os movimentos: 'Gritava de dor'

G1/LD

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Uma professora de São Vicente, no litoral de São Paulo, ficou entre a vida e a morte, em janeiro do ano passado, em decorrência da síndrome de Guillain-Barré. Jaqueline Ferreira, de 28 anos, perdeu todos os movimentos do corpo, enfrentou dificuldades para se alimentar sozinha e, após ser internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de Santos, chegou a perder quase 20 kg.

Recentemente, o Ministério da Saúde começou a avaliar a possibilidade de a síndrome de Guillain-Barré estar associada ao vírus da zika devido ao aumento do número de casos observados nas regiões que também tiveram surto da zika, hipótese reforçada por um estudo publicado pela revista científica "The Lancet" nesta semana.

Mas, no caso de Jaqueline, ainda não há evidências de que ela tenha tido contato com o vírus. Há várias outras causas associadas à síndrome, como infecções por citomegalovírus, vírus da gripe, da dengue, da hepatite, além de bactérias como a Campylobacter jejuni.

Jaqueline descobriu que estava com a síndrome no fim do ano passado. No dia 17 de dezembro, ela acordou com o braço direito dormente. Já no dia seguinte, o mesmo aconteceu com o braço esquerdo. Ela foi até o Hospital Municipal de São Vicente e acabou diagnosticada com uma inflamação na coluna. A professora tomou uma injeção e foi medicada. Um dia depois, com os sintomas piorando, ela foi até o PS da Santa Casa de Santos e os médicos pediram que Jaqueline procurasse um neurologista. Ela pagou um médico particular, que pediu para fazer uma ressonância e o exame não apontou nada.

“O meu estado era crítico. Eu não mexia as mãos, não andava e falava com muita dificuldade. Eu tinha muita dor nas costas. Tinha dor da ponta do dedo até o último fio de cabelo. Se tocasse em mim doía. Tinha dias que eu gritava de dor. Chamava a ambulância e não vinha. Fiquei mais ou menos 25 dias em casa, como se estivesse tratando de um problema na coluna e tomando vários remédios”, contou ao receber a reportagem do G1 em casa.

No dia 5 de janeiro, Jaqueline finalmente foi internada no Hospital Guilherme Álvaro, em Santos. Ela estava com o corpo totalmente paralisado. A cabeça ficava caída e ela tinha dificuldade para comer. A professora fez o exame do líquido cefalorraquidiano (da medula) e foi diagnosticada com síndrome de Guillain-Barré, que afeta o sistema nervoso e pode provocar fraqueza muscular e paralisia, geralmente temporária, dos membros.

Com o diagnóstico fechado, Jaqueline foi encaminhada imediatamente para a UTI do hospital, onde encontrou um outro homem de Praia Grande que também estava com a síndrome. “Ele me ajudou porque o fato de ele estar lá fez com que descobrissem o meu caso com mais facilidade, já que eu cheguei com os mesmos sintomas e comecei a ser tratada”, diz.

Após 20 dias internada, Jaqueline teve alta médica. Em casa, a rotina dela mudou completamente. Hoje, ela precisa do marido para fazer atividades simples, como tomar banho, ir ao banheiro, comer e fazer tarefas domésticas. A professora também teve que abandonar as aulas de capoeira. Para ela, o pior é não poder levar o filho Leonardo, de oito anos, à escola. Por causa da síndrome, ela ainda não consegue mover os braços e pernas, fica na cama ou na cadeira e tem dificuldade para engolir os alimentos. Jaqueline já perdeu 18 kgs e dois dentes por causa dos remédios.

“Eu fiquei de frente para o espelho esses dias e quase chorei com a minha imagem. Eu faço capoeira há 16 anos e cheguei a um estado que a minha roupa não cabe. Tudo cai. Eu usava manequim 38 e agora estou usando infantil. Sou uma das primeiras moradoras do Quarentenário, conheço todo mundo aqui. Eu não quero sair na rua. Perdi os meus dentes”, lamenta ela.

Falta de tratamento

Quando estava no hospital Guilherme Álvaro, uma equipe do programa 'Melhor em Casa', da Prefeitura de São Vicente, garantiu o atendimento completo na casa dela, com médico, enfermeira, fisioterapeuta, psicóloga e assistente social. Porém, Jaqueline diz que eles foram apenas duas vezes e não apareceram mais.

"A neurologista falou que era obrigatório eu fazer fisioterapia duas vezes por dia. Sem isso, posso ficar atrofiada. Todo mundo tem direito a um tratamento. Se eu não fosse à Santos, eu teria morrido. Os problemas em São Vicente são críticos. É descaso total”, diz.

A família de Jaqueline ligou várias vezes para o Programa e recebeu a informação que era impossível atender a paciente da forma indicada pelos médicos. Por isso, o vereador Ferrugem, que é amigo de Jaqueline, resolveu pagar uma fisioterapeuta particular duas vezes por semana.

Em nota, a Prefeitura de São Vicente disse que a paciente foi admitida no Programa Melhor em Casa no dia 27 de janeiro, sendo acompanhada por uma equipe multiprofissional em seu domicílio. Até o momento, foram realizadas três visitas, sendo duas da fisioterapeuta e uma do médico, mas ninguém atendeu na residência. As sessões de fisioterapias serão realizadas uma vez na semana, segundo a Prefeitura.

Virus da zika

A professora ainda não sabe se a síndrome teve relação com o virus da zika. De acordo com o neurologista Mauro Gomes Araujo, diretor do Instituto Avançado de Neurologia de Santos, não há um exame que comprove com exatidão que a Síndrome de Guillain-Barré foi provocada pelo zika. Geralmente, o paciente apresenta um quadro infeccioso, que pode ser bacteriano ou viral. Depois de alguns dias, é detectada a síndrome.

A síndrome de Guillain-Barré é considerada uma doença de prognóstico favorável pelos médicos. Em 85% dos casos, há uma recuperação praticamente completa que pode levar de dois a quatro meses. Em 15% dos casos, pode haver sequelas, desde as mais leves, como fraqueza nos pés ou dormência, até as mais significativas, em que os pacientes podem perder a capacidade de andar.

“A infecção induz a geração de anticorpos e, por um erro, esses anticorpos acabam afetando os nervos dos indivíduos. A relação entre os dois (Barré e zika) é por aproximação. O Guillan-Barré não aparece do nada. O paciente que desenvolve a síndrome tem um histórico de uma infecção. Com esse histórico de infecção é que se associa ao Guillan-Barré", explicou.

Para detectar a Síndrome de Guillain-Barré, o paciente deve fazer o exame de eletroneuromiografia ou da retirada do liquor.

Já a detecção do vírus da zika é mais complexa. Atualmente, os exames disponíveis são capazes de detectar o vírus somente na fase aguda da infecção. Trata-se do teste molecular, ou PCR. O teste sorológico, capaz de verificar se o paciente teve contato com o vírus no passado, ainda está em fase de desenvolvimento.

Segundo a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, oficialmente somente um caso da Síndrome de Guillain-Barré pode estar associado ao vírus da zika e está sendo investigado no Estado de São Paulo. O caso foi registrado em Praia Grande.

Segundo o neurologista, a recuperação dos pacientes é lenta e pode haver sequelas. Jaqueline tem fé que voltará a andar um dia e ter uma vida normal. “Um dia estou dando aula e no outro estou sem andar. Mexeu com a minha mente e tem dias que não aguento. A médica falou que em seis meses vou voltar a andar, só que vou precisar da fisioterapia por muito tempo e acompanhamento psicológico. Eu creio que não vou ficar muito tempo assim. Eu não aguento mais. Eu tenho muita fé que vou voltar a andar logo”, diz.

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