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ImprimirA competição pelo bilionário mercado chinês de soja, dominado pelo Brasil e alvo de investidas dos Estados Unidos, ganhou novo capítulo em meio às tensões comerciais acirradas pelas tarifas impostas por Washington.
Após aplicar pesadas taxas sobre produtos brasileiros, o presidente Donald Trump agora pressiona Pequim a ampliar as compras da commodity americana, buscando espaço em um mercado no qual o Brasil é líder absoluto.
A China, maior consumidora e importadora mundial de soja, responde por 61,1% das compras globais. O país depende de importações para 85% do consumo interno, voltado sobretudo à produção de ração para aves e suínos. Em 2024, gastou US$ 52,8 bilhões na importação de 105 milhões de toneladas. Deste total, 71,1% vieram do Brasil, 22% dos EUA e o restante de Argentina e Uruguai.
No domingo (10), quatro dias após entrar em vigor nos EUA uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, Trump pediu que a China “quadruplique rapidamente” suas compras de soja americana. A declaração ocorreu no fim de uma trégua de 90 dias entre Washington e Pequim para reduzir temporariamente tarifas recíprocas — que passaram de 145% para 30% no caso dos EUA e de 125% para 10% no caso da China.
Segundo especialistas, a capacidade americana de expandir de forma tão rápida sua oferta é limitada, mas a fala de Trump sinaliza que a soja pode entrar como peça-chave nas negociações. Uma possibilidade seria a criação de cotas isentas de tarifas para favorecer os EUA, medida que também interessaria a Pequim por reduzir a dependência da commodity brasileira.
Para o Brasil, o risco é claro: 73,4% das exportações de soja do país têm como destino a China, o que representa 9% de toda a receita obtida com vendas externas. “O risco é que os EUA ganhem espaço por decisão política, não por competitividade”, avalia Alberto Pfeifer, pesquisador do Insper e coordenador do grupo de Estratégia Internacional da USP.
Apesar disso, integrantes do governo brasileiro tentam minimizar o impacto. O assessor especial da Presidência, Celso Amorim, afirmou que a pressão americana reflete “quase um estado de guerra” contra o Brasil, mas se disse confiante na manutenção da parceria estratégica com Pequim. No mesmo dia em que Trump fez a declaração, Lula e Xi Jinping conversaram por telefone e reafirmaram a cooperação entre os dois países, que deve se expandir para áreas como saúde, petróleo, economia digital e satélites.
Histórico de rivalidade
Os EUA dominaram o fornecimento de soja à China até 2012, mas perderam espaço para o Brasil nos anos seguintes. A virada ocorreu em 2018, após tarifas impostas por Trump à China e a retaliação de Pequim sobre produtos agrícolas americanos, especialmente a soja. O Brasil aproveitou a brecha e passou a fornecer volumes recordes, chegando a responder por 75% das importações chinesas naquele ano.
Em 2020, Washington e Pequim firmaram o acordo da “Fase Um”, pelo qual a China se comprometeu a comprar US$ 40 bilhões anuais de soja americana por dois anos. As metas, contudo, não foram integralmente cumpridas, e o Brasil manteve a liderança.
Agora, em 2025, a disputa volta ao centro do tabuleiro. Até o momento, a China não fechou compras de soja dos EUA para o último trimestre do ano, priorizando embarques da América do Sul. Para setembro, foram adquiridas 8 milhões de toneladas — todas do Brasil e da Argentina. Em outubro, já há reservas de 4 milhões de toneladas, novamente só da região.
Mesmo com a trégua tarifária prorrogada até novembro, a soja americana continua taxada em 23% pela China. Ainda assim, sem tarifas, o produto dos EUA está cerca de US$ 40 por tonelada mais barato que o brasileiro.