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Geral
25/05/2012 08:31:30
Apenas uma em cada sete crianças e adolescentes que vivem em abrigos pode ser adotada
Em uma ampla sala colorida, cercado por cuidadoras, um grupo de seis bebês, com 6 meses de idade em média, divide o mesmo espaço, brinquedos e histórias de vida.

Agência Brasil/LD

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\n \n Em uma ampla sala colorida, cercado por cuidadoras, um grupo de\n seis bebês, com 6 meses de idade em média, divide o mesmo espaço, brinquedos e\n histórias de vida. Todos eles vivem em uma instituição de acolhimento enquanto\n aguardam que a Justiça defina qual o seu destino: voltar para a família\n biológica ou ser encaminhados para adoção. A realidade das 27 crianças que\n moram no Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga, no Distrito Federal (DF),\n repete-se em outras instituições do país.Enquanto aguardam os trâmites\n judiciais e as tentativas de reestruturação de suas famílias, vivem em uma\n situação indefinida, à espera de um lar. Das 39.383 crianças e adolescentes\n abrigadas atualmente, apenas 5.215 estão habilitadas para adoção. Isso\n representa menos de 15% do total, ou apenas uma em cada sete meninos e meninas\n nessa situação.\n \n Aprovada em 2009, a Lei Nacional da Adoção regula a situação das\n crianças que estão em uma das 2.046 instituições de acolhimento do país. A\n legislação enfatiza que o Estado deve esgotar todas as possibilidades de\n reintegração com a família natural antes de a criança ser encaminhada para\n adoção, o que é visto como o último recurso.A busca pelas famílias e as\n tentativas de reinserir a criança no seu lar de origem podem levar anos.\n Juízes, diretores de instituições e outros profissionais que trabalham com\n adoção criticam essa lentidão e avaliam que a criança perde oportunidades de\n ganhar um novo lar. \n \n “É um engodo achar que a nova lei privilegia a adoção. Em vez\n disso, ela estabelece que compete ao Estado promover o saneamento das deficiências\n que possam existir na família original e a ênfase se sobressai na colocação da\n criança na sua família biológica. Com isso, a lei acaba privilegiando o\n interesse dos adultos e não o bem-estar da criança”, avalia o supervisor da\n Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude\n do DF, Walter Gomes. \n \n Mas as críticas em relação à legislação não são unânimes. O juiz\n auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes Neto avalia que\n não há equívoco na lei ao insistir na reintegração à família natural.Para ele,\n a legislação traz muitos avanços e tem ajudado a tornar os processos mais\n céleres, seguros e transparentes. “Eu penso que deve ser assim [privilegiar a\n família de origem], porque o primeiro direito que a criança tem é nascer e\n crescer na sua família natural. Todos nós temos o dever de procurar a todo\n momento essa permanência na família natural. Somente em último caso, quando não\n houver mais solução, é que devemos promover a destituição do poder familiar”,\n defende. \n \n O primeiro passo para que a criança possa ser encaminhada à adoção\n é a abertura de um processo de destituição do poder familiar, em que os pais\n poderão perder a guarda do filho. Antes disso, a equipe do abrigo precisa fazer\n uma busca ativa para incentivar as mães e os pais a visitarem seus filhos,\n identificar as vulnerabilidades da família e encaminhá-la aos centros de\n assistência social para tentar reverter as situações de violência ou violação\n de direitos que retiraram a criança do lar de origem.Relatórios mensais são\n produzidos e encaminhados às varas da Infância. Se a conclusão for que o\n ambiente familiar permanece inadequado, a equipe indicará que o menor seja\n encaminhado para adoção, decisão que caberá finalmente ao juiz. \n \n Walter Gomes critica o que chama de “obsessão” da lei pelos laços\n sanguíneos. “Essa ênfase acaba demonstrando um certo preconceito que está\n incrustado na sociedade que é a supervalorização dos laços de sangue. Mas a\n biologia não gera afeto. A lei acaba traduzindo o preconceito sociocultural que\n existe em relação à adoção.”\n \n Uma das novidades introduzidas pela lei – e que também contribui\n para a demora nos processos - é o conceito de família extensa. Na\n impossibilidade de a criança retornar para os pais, a Justiça deve tentar a\n reintegração com outros parentes, como avós e tios. Luana* foi encaminhada ao\n Lar da Criança Padre Cícero quando tinha alguns dias de vida. A menina já\n completou 6 meses e ainda aguarda a decisão da Justiça, que deverá dar a guarda\n dela para a avó, que já cuida de três netos. A mãe de Luana, assim como a de\n vários bebês da instituição, é dependente de crack e não tem condições de criar\n a filha. \n \n O chefe do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da\n Defensoria Pública de São Paulo, Diego Medeiros, considera que o problema não\n está na lei, mas na incapacidade do Estado em garantir às famílias em situação\n de vulnerabilidade as condições necessárias para receber a criança de volta.\n “Como defensoria, entendemos que ela é muito mais do que a Lei da Adoção, mas o\n fortalecimento da convivência familiar.O texto reproduz em diversos momentos a\n intenção do legislador de que a prioridade é a criança estar com a família.\n Temos que questionar, antes de tudo, quais foram os esforços governamentais\n destinados a fortalecer os vínculos da criança ou adolescentes com a família”,\n aponta. \n \n Pedro* chegou com poucos dias de vida ao Lar Padre Cícero. A mãe o\n entregou para adoção junto com uma carta em que deixava clara a impossibilidade\n de criar o menino e o desejo de que ele fosse acolhido por uma nova família.\n Mesmo assim, aos 6 meses de vida, Pedro ainda não está habilitado para adoção.Os diretores do abrigo contam que a mãe já foi convocada para dizer, perante o\n juiz, que não deseja criar o filho, mas o processo continua em tramitação. Na\n instituição onde Pedro e Luana moram, há oito crianças cadastradas para adoção.\n Dessas, apenas duas, com graves problemas de saúde, têm menos de 5 anos de\n idade. \n \n Enquanto juízes, promotores, defensores e diretores de abrigos se\n esforçam para cumprir as determinações legais em uma corrida contra o tempo, a\n fila de famílias interessadas em adotar uma criança cresce: são 28 mil\n pretendentes cadastrados e apenas 5 mil crianças disponíveis.Para a\n vice-presidenta do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Maria Berenice\n Dias, os bebês abrigados perdem a primeira infância enquanto a Justiça tenta\n resolver seus destinos. “Mesmo que eles estejam em instituições onde são super\n bem cuidados, eles não criam uma identidade de sentir o cheiro, a voz da mãe.\n Com tantas crianças abrigadas e outras tantas famílias querendo adotar, não se\n justifica esse descaso. As crianças ficam meses ou anos depositadas em um\n abrigo tentando construir um vínculo com a família biológica que na verdade\n nunca existiu”, critica. \n \n \n \n \n
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