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O Brasil não tem recursos pendentes a receber relativos ao mercado de créditos de carbono, segundo informaram pesquisadores ouvidos pelo G1 e conforme acordo assinado pela União Europeia.
Nesta semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o Ministério das Relações Exteriores divulgaram valores que o Brasil, supostamente, deveria receber da comunidade internacional por este tipo de mecanismo (entenda abaixo). Para os especialistas, esses montantes divulgados para serem pagos pelo mercado de carbono não são obrigatoriedades ou se referem a projeção baseada em regra que não está mais em vigor.
A pauta ambiental e os valores pagos por entidades e países estrangeiros ganhou repercussão devido ao aumento das queimadas na Floresta Amazônica.
O mercado de crédito de carbono funciona a partir de acordos entre empresas e governos de países em desenvolvimento. Em vez de tomar medidas para efetivamente diminuir as emissões de carbono, empresas podem compensar o que têm emitido comprando créditos — fazendo um pagamento — dos países que reduziram emissões.
Segundo o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no Protocolo de Kyoto, o pagamento também pode ser feito de um país desenvolvido com alto nível de emissão de gases para um país em desenvolvimento com baixo nível.
Especialista diz que valores são projeção
Na segunda-feira (26), o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) disse que o Brasil teria a receber por este mecanismo receita de US$ 2,5 bilhões (R$ 10 bilhões), equivalente à redução estimada de 250 milhões de toneladas de gás carbônico.
O consultor nas áreas de carbono e energia Shigueo Watanabe Junior, pesquisador do Instituto ClimaInfo, disse ao G1 que os US$ 250 bilhões estimados por Salles não representam um valor que de fato o Brasil teria a receber.
Segundo ele, o valor se refere a uma projeção de quanto projetos brasileiros poderiam ter recebido caso o mercado europeu de emissões continuasse a permitir a compra, por países da Europa, de crédito de carbono de países considerados "em desenvolvimento", como o Brasil.
Desde 2012, a União Europeia permite que os países que formam o bloco utilizem créditos internacionais de carbono somente para projetos de países da lista de "menos desenvolvidos", o que exclui projetos brasileiros. A medida foi definida pelo Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia.
Além disso, de acordo com Watanabe, o Protocolo de Kyoto não obriga nenhum país a comprar créditos de carbono. Portanto, o valor ao qual o ministro se referiu não seria necessariamente pago ao Brasil, mas uma possibilidade.
"O que ocorre é que há a possibilidade de adesão ao MDL. [Essas adesões] eram negociadas entre entidades privadas, e neste contrato há cláusulas de rescisão. Uma delas dizia que se a Europa decidir interromper o aceite, como o fez em 2012, o contrato é rompido. Não existe essa dívida", diz o pesquisador.
A reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para confirmar a existência de contratos com entidades que se comprometeram a pagar este valor ao Brasil. Também foi solicitada uma explicação sobre como os cálculos foram realizados. O G1 aguarda resposta da pasta.
Itamaraty questiona valor pago ao Brasil
Em nota publicada na segunda-feira, o Ministério das Relações Exteriores estimou em US$ 30 bilhões (R$ 120 bilhões) o valor que os países desenvolvidos devem ao Brasil referente ao pagamento por reduções de gases de efeito estufa a partir do incentivo REDD .
Este mecanismo previsto pela Organização das Nações Unidas (ONU) também recompensa financeiramente países em desenvolvimento por resultados de redução de emissão de gases. O REDD , no entanto, não é negociado no mercado de carbono e pode, por exemplo, ir direto para um estado ou para um fundo de financiamento, como o Fundo Amazônia.
O climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e ex-integrante do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe), explicou ao G1 que este valor não é devido ao Brasil, pois o REDD ainda passa por sua implementação global e age de maneira lenta. segundo Nobre, não existe um mecanismo de compensação obrigatória por serviços ambientais prestados.
A reportagem entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores para saber se houve contratos firmados com a previsão de pagamento de US$ 30 bilhões ao Brasil. Também foi solicitada uma explicação sobre como os cálculos foram realizados. O G1 aguarda resposta.
Origem dos mercados de carbono
Os países que assinaram o Protocolo de Kyoto, em 1997, concordaram em assumir compromissos de reduzir as emissões de gases que agravam o efeito estufa. No protocolo, os negociadores estipularam que a redução das emissões passaria a ter valor econômico.
A partir do protocolo, mecanismos de mercado foram criados, sendo o principal o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. O MDL permite que projetos nos setores energético, de transporte e florestal certifiquem reduções de emissões e negociem com países que tenham firmado metas dentro do protocolo. A emissão de um tonelada de dióxido de carbono (CO2) passou a corresponder a um crédito de carbono.
Além desse mercado regulado pelo Protocolo de Kyoto, há ainda mercados voluntários, no qual empresas, ONGs, instituições, governos ou mesmo cidadãos tomam a iniciativa de reduzir as emissões voluntariamente.
O REDD , por exemplo, é um instrumento que é parte desses mercados voluntários. O principal em funcionamento hoje é o Chicago Climate Exchange, nos Estados Unidos. Além dos mercados voluntários, há fundos voluntários, como o “Forest Carbon Partnership Facility”, do Banco Mundial, e o Fundo Amazônia.
A reportagem entrou em contato com Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que acompanha o mercado de carbono, para confirmar se há algum acordo não cumprido com o Brasil, mas aguarda retorno.