VERSÃO DE IMPRESSÃO
Cidades
19/07/2014 07:40:07
Faxineira larga filhos para morar com ex-preso em ponto de ônibus no DF
Paraibano afirma que passou 26 anos na cadeia por ter matado 15 pessoas. Assistentes sociais tentaram retirá-los do local, mas não obtiveram sucesso.

G1/PCS

Ex-presidiário e faxineira se abraçam em ponto de ônibus da DF-140, que virou abrigo após união (Foto: Raquel Morais/G1)
Os mesmos versos que introduzem à história de amor de "Eduardo e\n Mônica", questionando haver razão "nas coisas feitas pelo\n coração", poderiam anunciar o entrelace improvável de um casal que\n atualmente mora em uma parada de ônibus na DF-140. \n \n Mas a reação inicial à união causa algum espanto: Maria [nome fictício], de\n 45 anos, largou os seis filhos para viver com o ex-presidiário João [também\n fictício], de 50, que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter matado 15\n pessoas. Os dois decidiram se mudar para o local, próximo ao Complexo\n Penitenciário da Papuda, há pouco mais de um mês. \n \n O homem foi posto em liberdade no final do ano passado e escolheu morar na\n rua para "não incomodar" familiares e amigos. Eles improvisaram uma\n barraca e sobrevivem com a ajuda de doações de quem passa pela região -\n inclusive de agentes da cadeia. A Secretaria de Segurança Pública informou ao G1\n que João cumpriu pena por oito roubos qualificados.\n \n Maria, que conheceu o companheiro há cinco anos, em uma confraternização\n ocorrida durante saidão, diz ter certeza da decisão tomada. Na época, a mulher\n já estava separada e trabalhava como faxineira em um bar. Os filhos, que hoje\n têm entre 16 e 22 anos, moravam com ela.\n \n "Esse homem foi melhor do que ganhar na MegaSena. Ele me dá tudo o que\n eu preciso, é só o ouro. Tem muita paixão, muito amor entre a gente. Eu o\n conheci e me apaixonei assim", disse. "Eu não gosto que critiquem\n minha decisão. Meus filhos já não eram mais pequenos e hoje moram com a irmã\n mais velha. É um problema só meu."\n \n Natural de uma cidade do interior da Paraíba, João conta se dar bem com os\n enteados. Ele diz ser filho de um policial civil aposentado e afirma que\n praticou o primeiro crime quando ainda era menor de idade, depois de ouvir que\n a filha do vizinho havia sido estuprada. O ex-presidiário garante que matou 15\n homens - e em todas as ocasiões usando um facão - com a intenção de fazer\n justiça e que nunca se aproveitou do crime para levar vantagem pessoal.\n \n Entre as situações que o impulsionaram a isso estariam roubos a conhecidos e\n a morte do primogênito, entre 17 filhos, por engano. "Ele tinha 16 anos.\n Foi em 1989. Era a minha vida. Aquilo mexeu comigo", declarou. "Meus\n colegas sempre me chamavam para resolver as coisas. Eu dizia que daríamos um\n jeito, que não podiam prejudicar pai de família. Apesar de o meu pai ser\n policial, eu não confiava nesse povo."\n \n João diz que aproveitou o tempo preso para terminar o ensino fundamental e\n participar de oficinas, como de pintura, serralheria, jardinagem e panificação.\n Além disso, adotou a religião evangélica e lembra que chegou a fazer pregações\n para os colegas de cela.\n \n "Quando a pessoa não conhece as coisas de Deus fica cega. Eu achava que\n estava fazendo justiça, mas estava fazendo mal a mim mesmo. Eu nunca usei\n drogas. Vez ou outra tomo cachaça, mas é só. Eu acho que as pessoas só não\n mudam quando não querem. Eu aprendi e quero recomeçar", afirma.\n \n O ex-presidiário diz que levou currículo a empresas de ônibus e que tem\n feito bicos para se manter - catando material reciclado ou vendendo\n "besteiras" dentro do ônibus. Ele garante que aprendeu com tudo o que\n passou e que não pretende voltar à prisão.\n \n "Quero fazer o máximo para evitar cometer crime de novo, mas Deus o livre\n uma pessoa fizer mal a ela [Maria]. Não tenho mais intenção de matar, vou me\n controlar, é claro. Melhor é fica solto, em liberdade. A cadeia é muito ruim.\n Você vê gente morrendo, comida péssima, é desrespeitado, te ignoram quando você\n está doente. Eu me sentia mal quando meus filhos iam me visitar. A pessoa esta\n lá para se recuperar, mas como fazer isso sendo maltratada? Você se revolta\n mais", declarou.\n \n João conta que não aceitou a ajuda dos pais e dos familiares também como\n parte desta aprendizagem. Segundo o ex-detento, a família pensa que ele está\n viajando e nem imagina que ele dorme na rua. Até com os filhos o contato ficou\n restrito. "Se nada der certo, vou com minha mulher para a Paraíba, até a\n pé. Mas dos outros não dependo", concluiu.\n \n Moradores de rua
\n Dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda apontam\n que o DF tem mais de 2,5 mil moradores de rua. A pasta conta com 28 equipes que\n visitam essas pessoas e oferecem vagas em casas de abrigo. Segundo o governo,\n no entanto, nem todas aceitam.\n \n João e Maria, por exemplo, receberam assistentes sociais em três ocasiões,\n mas não quiseram deixar a parada de ônibus da DF-140. Nos abrigos, eles teriam\n acesso a acompanhamento psicológico e social e poderiam retirar documentos\n pessoais de graça, além de ganhar orientações para voltar ao mercado de\n trabalho. O tempo de permanência nestas casas é de no máximo 90 dias.\n \n \n