Michelle Prazeres

No título desta coluna tomo emprestado o título de um dos livros do querido amigo e colega de UOL Julián Fuks. Gosto do convite que ele nos faz: no mundo acelerado, precisamos o tempo todo nos lembrar que existe futuro e que temos agência sobre ele.
Em "Futuro ancestral", Ailton Krenak afirma que "não podemos nos render à narrativa de fim de mundo que tem nos assombrado, porque ela serve para nos fazer desistir dos nossos sonhos, e dentro dos nossos sonhos estão as memórias da Terra e de nossos ancestrais".
Neste texto, que escrevi em parceria com minha amiga e parceira Ana Biglione aqui na coluna, contamos pra vocês que em "O espírito da esperança contra a sociedade do medo", Han, filósofo sul-coreano cuja obra estudo em minha pesquisa, nos provoca a pensar que fazer a vida valer a pena não é um ato passivo —ainda mais em tempos acelerados, como os atuais. Ele defende
Dialogando com estas perspectivas, eu conversei com Graciela Selaimen, liderança que tem nutrido minha esperança e a de muitas outras pessoas por meio de sua atuação à frente do Toriba, instituto dedicado a imaginar futuros e regenerar nossa capacidade de sonhá-los.
Graciela me contou que somos levados a "acreditar que o crescimento ilimitado, a exploração dos recursos naturais e a desigualdade são inevitáveis" e que estas crenças são fundantes do modus operandi da sociedade do cansaço. Para escapar, precisamos "recuperar o exercício de fabular, sonhar e contar histórias como ato político".
Compartilho com vocês minha conversa com Graciela.
Por que estamos vivendo uma crise de imaginação e sonho?
Vivemos uma crise de imaginação porque os horizontes coletivos foram capturados por um pequeno grupo de elites políticas e econômicas. Essas forças difundiram narrativas que reforçam a falácia do slogan da era Thatcher e Reagan: TINA (There is No Alternative).
Essa ideia enganosa nos faz acreditar que o crescimento ilimitado, a exploração dos recursos naturais e a desigualdade são inevitáveis —e, nas últimas décadas, acrescentou-se ainda a crença de que também não haveria alternativa à redução da vida à lógica das máquinas.
Esse horizonte estreito nos aprisiona em respostas imediatistas, em ciclos de medo e reação inconsciente, e inibe nossa capacidade de cultivar outros modos de existir e de sonhar coletivamente.
Perdemos nossa capacidade de imaginar futuros?
Não perdemos a capacidade de imaginar; ela vem sendo orientada para imaginários que não nos servem. Toda vez que nos dizem que sonhar com um mundo melhor é ingenuidade, que precisamos apenas "ser realistas", o que se perde não é a imaginação em si, mas o poder coletivo de vislumbrar experimentações e caminhos libertadores.
A crise de imaginação aparece quando se trata de projetar um futuro desejável. Mas não nos falta imaginação para produzir narrativas de futuros dominados por máquinas, futuros catastróficos ou de zumbificação social. Eu acredito profundamente que podemos — e precisamos — imaginar e criar muito mais do que isso.
O que podemos fazer para semear novamente essa capacidade nas pessoas?
Podemos cultivar essa capacidade criando espaços e práticas de imaginação coletiva. É preciso recuperar o exercício de fabular, sonhar e contar histórias como ato político. Esse trabalho passa pela arte, pela educação, pela escuta atenta das comunidades, pelo encontro entre gerações — e também pelo campo dos estudos de futuros, que nos oferece teorias, metodologias e práticas capazes de dar estrutura a essa potência.
A imaginação não surge no vazio: ela precisa de estímulos, de símbolos, de narrativas que desafiem o que hoje parece inevitável. É por isso que na Toriba trabalhamos com fabulação especulativa, alfabetização em futuros e novas narrativas — para lembrar que imaginar e desenhar futuros não é um luxo, é uma forma de sobrevivência. Quando as pessoas percebem que podem ensaiar outros mundos, nasce junto o desejo e a coragem de agir para transformá-los. Especular futuros é um exercício que amplia a agência no presente.
É comum atribuir às gerações de jovens essa "desesperança". Qual a tarefa das gerações mais velhas na formação das juventudes em relação aos futuros?
É injusto colocar sobre as juventudes o peso exclusivo da desesperança ou da esperança. As gerações mais velhas têm uma tarefa ética fundamental: abrir caminhos, compartilhar ferramentas, oferecer escuta e, sobretudo, não roubar o direito dos jovens de imaginar seus próprios horizontes.
Se a juventude se sente sem saída, é porque nós, mais velhos, falhamos em ampliar o repertório de futuros possíveis. Nossa missão é fortalecer os jovens para que possam sonhar e agir, não controlando seus sonhos, mas garantindo que tenham espaço, tempo e recursos para inventar novos mundos.
Que cenários de futuros você vislumbra para o mundo e para o Brasil?
Não acredito em um único futuro, mas em futuros plurais, em disputas de imaginários. O futuro não existe como destino fixo: ele é prática coletiva, feita de escolhas diárias. Os futuros possíveis estão sempre em disputa, tecidos por mitos e narrativas que se entrelaçam, se chocam e se sobrepõem.
No Brasil e no mundo, convivem tendências que aprofundam autoritarismo, extrativismo e desigualdade, ao mesmo tempo em que emergem experiências de solidariedade, cuidado e reinvenção, vindas das margens. Esses futuros não se organizam em polos opostos; coexistem em tensão, disputando sentidos e possibilidades.
O que já está dado —aquilo que chamamos de presente e de realidade— é nítido e visível. Já as possibilidades novas e emergentes aparecem como imagens tênues, sem contornos definidos, porque ainda estão sendo criadas. Cabe a nós dar forma, cor e densidade a essas possibilidades de futuros em gestação, fortalecendo as práticas que ensaiam modos de vida mais justos e sustentáveis e disseminando, com intencionalidade, as histórias que os tornam palpáveis e desejáveis.
Se conseguirmos ampliar essas práticas e narrativas, podemos vislumbrar um Brasil que se reconhece na sua diversidade e que coloca a vida no centro —um país capaz de inspirar o mundo com novas formas de democracia, cuidado e convivência. O Brasil tem tudo para ser um laboratório vivo de futuros plurais e possíveis. É nessa experimentação que quero contribuir.
Sobre Graciela Selaimen
Fundou o Instituto Toriba, organização sem fins lucrativos que promove alfabetização em futuros, planejamento de cenários imersivos, design de futuros e de novas narrativas para transformação social e ambiental.
É jornalista, mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre 2013 e 2021 atuou como diretora de programa na Fundação Ford, onde desenvolveu estratégias e portfólios de doações nos temas de Tecnologia e Sociedade, Criatividade e Liberdade de Expressão e Promoção do Espaço Cívico.
É membro do conselho de diretores da Oxfam Brasil, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), da organização colombiana Manos Visibles e do conselho diretor global da More in Common.
Graciela também é membro do conselho consultivo da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, da Silo - Arte e Latitude Rural, do Instituto Sacatar e do Tilt Collective.