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04/08/2023 10:52:00
Adolescentes indígenas e negros são os últimos na fila de adoção

CE/LD

Desde a unificação do sistema para facilitar adoções em 2019, Mato Grosso do Sul registrou a adoção de 570 crianças. No entanto, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), crianças com mais de 14 anos, indígenas, negras ou com alguma deficiência estão no fim da fila de adoção. Ou seja, são menos procuradas.

A faixa etária de 0 a 2 anos é a mais privilegiada, com 231 crianças adotadas, seguida pela de 2 a 4 anos, com 99 adoções. No entanto, à medida que a idade aumenta, o número de adoções diminui drasticamente.

Crianças e adolescentes entre 14 e 16 anos têm apenas 19 adoções registradas nos últimos quatro anos no Estado, demonstrando que as famílias interessadas em adotar preferem não acolher pessoas que fogem do ideal buscado.

Ao analisar os dados do CNJ, percebe-se outro fator crítico: a questão étnica, com 279 crianças pardas e 179 brancas que encontraram um lar adotivo, enquanto apenas 29 crianças pretas e 17 indígenas tiveram a mesma oportunidade. Além disso, há 71 casos em que a etnia não é informada, o que pode impactar a identidade cultural.

Crianças com deficiência também enfrentam um desafio adicional. Durante o período analisado, apenas quatro crianças com algum tipo de deficiência física ou intelectual foram adotadas em Mato Grosso do Sul.

ADOÇÃO

O casal Eduardo e Marcela Mendes resolveram entrar para o processo de adoção em 2016. Em entrevista ao Correio do Estado, Eduardo detalha que ambos sempre desejaram ter filhos, porém, após investigação médica, souberam que não poderiam conceber filhos biologicamente.

"Eu sempre quis ser pai, e ela sempre quis ser mãe. Sempre foi muito claro, desde antes da gente se conhecer. A gente casou, pouco tempo depois começamos a querer ter filhos, só que a gente não conseguia gerar espontaneamente. Fomos investigar e descobrimos que minha esposa tinha uma falha congênita no útero. Isso dificultava muito a gestação", explica.

Após a descoberta, o casal iniciou tratamento de fertilidade, que também não funcionou. Logo, Eduardo já esclareceu para Marcela que queria começar o processo de adoção.

"Eu estava aberto desde sempre à adoção. Só que [antes] minha esposa não tinha a questão da genética, então ela não ficava preocupada com isso. Ela tinha aquele sonho de menina de ter barrigão, de acompanhar os nove meses. Quando não rolou o tratamento de fertilidade, ela entregou os pontos", conta.

Conforme Eduardo, após um ano e três meses entre o curso de capacitação e a fila de espera, os dois recebeu uma ligação: foram avisados que havia um recém-nascido que era do perfil do casal e que precisava de uma família.

"A adoção, desde [a criação do] Estatuto da Criança e do Adolescente, não é mais uma preocupação de achar crianças para famílias. A preocupação é achar famílias para crianças. O foco é outro. Então, não é a gente que escolhe quem vai ser adotado. É o núcleo de adoção que analisa se o nosso perfil se encaixa para aquela criança", comenta.

O processo de adoção de Eduardo e Marcela pode ter sido mais rápido em função do perfil de crianças que eles procuravam. O único pedido do casal era adotar uma criança com menos de um ano. Características como gênero e etnia não foram exigidas pelos dois.

"A gente só limitou criança até seis meses de idade, pois minha esposa queria criar desde bebezinho. Como ela queria e não pôde ter a gestação, gostaria de, pelo menos, ter o filho no colo", revela Eduardo.

Atualmente, a filha adotada pelo casal tem seis anos e faz tratamento psicológico para, no futuro, entender melhor o processo de sua adoção.

Os pais ainda não conversaram sobre ela ter sido adotada, no entanto, sempre deixaram claro que a menina não foi gerada na barriga da mãe. Assim, Eduardo e Marcela esperam poder conversar com ela futuramente.

"Na verdade, o tratamento com o psicólogo é justamente para que a gente consiga criar essa abertura. A gente nunca nem insinuou que ela veio da barriga da mãe. A gente fala em uma linguagem própria, mas é que ela só tem seis anos, e falta colocá-la nesse cenário. E é aí que está sendo a nossa dificuldade. Porque a gente não quer que ela se abra com a sala, com a turma dela, por exemplo, antes disso ser tranquilo para ela mesma", conclui o pai.

CRIANÇAS ACOLHIDAS

Dados do CNJ informam que Mato Grosso do Sul conta atualmente com 729 crianças e adolescentes distribuídos em 177 unidades de acolhimento infantojuvenil ou em casas de famílias que os acolhem temporariamente.

Desse total, 75 estão disponíveis para adoção sem vínculo com alguma família. Outros 36 já têm um contato inicial com o pretendente.

Ao analisar os dados do CNJ, é visível que o perfil da maioria dos abrigados são meninas pardas de 14 a 16 anos que foram encaminhadas para uma respectiva entidade após sofrer algum tipo de violência familiar.

Segundo o conselho, quanto mais velhas são, maior o número de acolhimentos institucionais. Exemplo disso são os adolescentes com 16 anos ou mais que ainda estão sob algum cuidado institucional: são 93 jovens no Estado.

O grupo de crianças com até 2 anos é o que conta com o maior número de acolhimentos, totalizando 89 indivíduos. Em seguida, as faixas etárias de 2 a 4 anos, 4 a 6 anos e 6 a 8 anos compreendem um total de 56, 68 e 65 acolhidos, respectivamente.

Os pré-adolescentes também são significativamente representados, com 78 crianças entre 8 a 10 anos e outras 79 entre 10 a 12 anos. Já na faixa de 12 a 14 anos e 14 a 16 anos registram 93 e 106 acolhimentos, respectivamente.