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As "exposições etnológicas" ainda são uma experiência traumatizante para Theodor Wonja Michael, hoje com 92 anos. "Passamos por toda a Europa com circos, e eu estava sempre viajando - de Paris a Riga, de Berna a Bucareste via Varsóvia", lembra Theodor Wonja Michael, filho mais novo de um camaronês que deixou a ex-colônia alemã na virada do século.
"Nós dançávamos e nos apresentávamos junto com os engolidores de fogo e faquires. Eu comecei a odiar participar destes zoológicos humanos muito cedo", conta ele, hoje com 92 anos.
Por vários anos, Theodor Wonja evitou falar sobre esse período da sua vida. Então, em 2013, resolveu escrever sobre a sua história e de sua família no livro "Deutsch sein und schwarz dazu" (Ser alemão e negro, em tradução livre).
O pai de Theodor Wonja se mudou com a família do Camarões para a Europa no final do século 19. Em Berlim, rapidamente percebeu que não lhe seria permitido desempenhar trabalhos corriqueiros. A única forma de ganhar a vida era por meio de exposições etnológicas, também chamadas de zoológicos humanos.
Na época, artistas de um zoológico humano percorreriam a Europa como as bandas de rock da atualidade. Eles faziam várias apresentações por dia, enquanto os visitantes os observavam com assombro.
"Em alguns casos, os artistas tinham contratos, mas não sabiam o que significava ser parte de uma exposição etnológica na Europa", diz a historiadora Anne Dreesbach.
A maioria deles sentia falta de casa, outros acabavam morrendo porque não eram vacinados. Esse foi o fim, por exemplo, de uma família inuit que participava de uma exposição e morreu de varíola após apresentações em Hamburgo e Berlim em 1880. Outro grupo, de índios sioux, morreu de sarampo e pneumonia.
Centenas de exposições
Até a década de 1930, havia cerca de 400 "zoológicos humanos" na Alemanha. A primeira grande exposição etnológica foi organizada em 1874 por um comerciante de animais selvagens de Hamburgo chamado Carl Hagenbeck.
"Ele teve a ideia de abrir jardins zoológicos que não contivessem apenas animais, mas também de pessoas. As pessoas estavam animadas para descobrir mais sobre seres humanos do exterior: antes da disseminação da televisão e da fotografia colorida, essa era a única maneira de vê-los", explica Dreesbach, que publicou um livro sobre a história dos zoológicos humanos na Alemanha.

O conceito já existia no início da era moderna, quando os exploradores europeus trouxeram de volta as pessoas dos novos territórios para onde haviam viajado. Carl Hagenbeck foi além, e promoveu encenações nas exposições para torná-las mais atraentes: os lapões apareciam acompanhados de renas, os egípcios montavam camelos em um cenário com pirâmides de papelão, os fueguinos (habitantes da Terra do Fogo) viviam em cabanas e usavam ossos como acessórios nos cabelos.
"Carl Hagenbeck vendeu aos visitantes uma ilusão de viagens ao mundo com seus zoológicos humanos", diz o historiador Hilke Thode-Arora, do Museu Etnológico de Munique.
Theodor Wonja Michael conta que essas exposições etnológicas expressaram a percepção europeia "dos africanos nas décadas de 20 e 30 como selvagens sem educação que usavam saias de ráfia". Ele ainda se lembra de como estranhos acariciavam seu cabelo encaracolado:
"Eles tentavam me cheirar para verificar se eu era real e falavam comigo em um alemão básico ou se comunicavam por meio de sinais", conta.
Hordas de visitantes
A família de Theodor Wonja foi despedaçada depois da morte da mãe, uma costureira alemã da Prússia Oriental. Um tribunal determinou que o pai não era capaz de criar adequadamente seus quatro filhos. Os organizadores de um zoológico humano tornaram-se oficialmente os pais adotivos do jovem Theodor na década de 1920.
"O único interesse que eles demonstravam sobre nós era nosso trabalho", relembra.