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Política
03/02/2016 07:21:00
MP investiga se família Lula teve privilégio sobre negócio com triplex

G1/LD

O Ministério Público de São Paulo investiga se a família do ex-presidente Lula recebeu privilégios na hora de decidir se ficaria com um apartamento triplex no Guarujá, litoral paulista. Fotos obtidas pelo 'Jornal Nacional' mostram o elevador italiano privativo de R$ 62,5 mil instalado na reforma do imóvel, que custou R$ 800 mil e foi bancada pela construtora OAS.

O conselheiro da Associação de Vítimas da Bancoop, a Cooperativa do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Marcos Sérgio Miggliaccio, disse que os donos de cotas no empreendimento do Edifício Mar Cantábrico (atual Solaris) tiveram de decidir se continuariam ou desistiriam do negócio em novembro de 2009, quando parte da construção dos imóveis da Bancoop foi assumida pela Construtora OAS, depois que a cooperativa enfrentou dificuldades financeiras.

E que família do ex-presidente Lula, investigada pelo Ministério Público como possível dona de um triplex no edifício, teria sido privilegiada em pode desfazer do negócio mais de cinco anos depois do prazo determinado pela construtora.

A OAS enviou uma carta no dia 11 de novembro de 2009 para os cooperados. Quem quisesse desistir do empreendimento deveria assinar o documento de desligamento até o dia 20 de novembro na sede da Bancoop, e com ele deveria comparecer ao escritório contratado pela OAS. A regra valia para todos os proprietários, segundo Miggliaccio: continuar com o imóvel ou desistir.

“A pessoa teria que tomar um dos dois caminhos. Não existia um terceiro caminho para ninguém. Não foi criada uma terceira opção que daqui cinco anos você poderia decidir, daqui cinco anos você poderia resgatar o que pagou. Isso era uma impossibilidade.”

“O que foi dado ao casal Lula em questão, pode-se dizer que foi um privilégio, uma opção dada a eles e nunca a nenhum cooperado”, disse o conselheiro da Associação de Vítimas da Bancoop. “Nenhum cooperado Bancoop teve esse privilégio e digo mais, (em outro empreendimento) no Butantã, a OAS moveu ações para retomar o lugar de pessoas que não decidiram.”

A assessoria do ex-presidente Lula nega que o triplex tenha pertencido à família, e diz que a ex-primeira-dama Marisa Letícia tinha apenas a reserva de um apartamento padrão no prédio.

Segundo uma nota divulgada pelo Instituto Lula no fim de semana, mesmo não tendo aderido ao novo contrato, a família manteve o direito de solicitar a qualquer tempo o resgate da cota de participação na Bancoop e no empreendimento.

Também de acordo com a nota, só em novembro do ano passado a família do ex-presidente Lula solicitou à Bancoop a devolução do dinheiro aplicado na compra da cota parte do empreendimento.

Nesta terça-feira, o Instituto Lula declarou que não vê relação entre as questões expostas pela reportagem e a afirmação do próprio instituto de que a família Lula nunca foi proprietária de imóvel no Guarujá. Segundo o Instituto Lula, eles não ocupatam a compra de uma cota da Bancoop na Declaração de Imposto de Renda.

A construtora OAS não quis comentar.

MP ouve depoimentos

O Ministério Público de São Paulo ouviu, na tarde desta terça-feira (2), o depoimento de 15 das 20 pessoas intimadas pelos promotores na investigação sobre a transferência dos imóveis da Bancoop para a Construtora OAS. Segundo a Promotoria, desde 2007 cerca de seis mil cooperados foram prejudicados. "Essa é a fase de coleta de depoimentos, é o procedimento que temos de fazer", disse o promotor José Carlos Blat.

Ainda de acordo com ele, a Bancoop deixou "15 imóveis inacabados, sendo que oito deles foram transferidos para a OAS", disse Blat. A OAS informou, em nota, que todos os empreendimentos foram regularmente incorporados pela empresa, observando a legislação pertinente.

Para Marcos Sérgio Migliaccio, conselheiro da Associação de Vítimas da Bancoop, "outros apartamentos não concluídos foram transferidos para outras empresas."

Migliaccio disse que os promotores "coletaram documentos sobre as transferências da Bancoop para a OAS, se ocorreram sob fraude ou irregularidade". "Cerca de 2 mil unidades passaram da Bancoop para a OAS. A irregularidade está na transferência sob coação das vítimas. Ou aceita ou está fora", afirmou ele.

O conselheiro informou ainda que foram feitas reuniões para assinaturas desses novos contratos e que vítimas da Bancoop foram impedidas de participar. "Aliados da Bancoop convocaram reuniões. No condomínio Colinas Park conseguimos anular juridicamente a transferência para a OAS porque os desembargadores entenderam que ela ocorreu sob fraude." Segundo Migliaccio, a irregularidade detectada era a de que "eram criadas novas cláusulas contratuais e valores para as pessoas que já tinham quitado os imóveis."

Investigação

A cooperativa do Sindicato dos Bancários de São Paulo foi criada em 1996 para construir casas e apartamentos a preço de custo. De acordo com a investigação, a Bancoop não conseguiu levar adiante 15 empreendimentos e teve uma série de problemas com outros 25. Nas contas dos promotores, 6 mil cooperados foram prejudicados.

Segundo o Ministerio Público, o dinheiro que deveria ter sido aplicado na construção dos imóveis foi desviado pra financiar campanhas eleitorais do PT. O ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto era o presidente da cooperativa. Ele está preso no Paraná depois de ter sido condenado no processo da Lava Jato.

De acordo com a investigação do Ministério Público, no fim de 2009, nove empreendimentos inacabados da Bancoop foram assumidos pela construtora OAS. Um deles é justamente o prédio onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria um imóvel e onde Vaccari, em depoimento, disse ser proprietário de um apartamento.

A defesa do ex-presidente argumenta que ele nunca foi dono do apartamento, mas somente proprietário de cotas de um projeto da Bancoop. A cooperativa se tornou insolvente e transferiu imóveis inacabados para a construtora OAS, investigada na Operação Lava Jato.

Desde que as investigações vieram à tona, a Bancoop informou que a transferência de empreeendimentos para outras construtoras foi resultado de um acordo com o Ministério Público e que não tem mais qualquer relação com esses empreendimentos. O PT afirmou que todas as doações que o partido recebeu foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.