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ImprimirAs informações encontradas nos telefones dos investigados pela Operação Ultima Ratio, que estão entre as provas robustas que a Polícia Federal diz serem suficientes para enquadrar desembargadores alvo da ação policial em crime de corrupção por venda de sentença, mostra a advogada Renata Pimentel, intermediando a venda de uma fazenda que seu pai, Sideni Soncini Pimentel, e outros dois desembargadores “liberaram” para venda por meio de um agravo.
O desmembramento da Fazenda Santo Antônio, pertencente ao espólio de Darci Guilherme Bazanella, no município de Corumbá, estava bloqueado para vendas por causa da inadimplência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD), por decisões de primeira instância e também pelo relator, que foi favorável à retenção do patrimônio para o pagamento do imposto, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral do Estado.
Uma intermediação envolvendo os advogados do espólio de Bazanella, liderado pelo advogado Júlio Greguer de um lado, e Gabriel Marinho, advogado de Cláudio Bergmann, comprador da fazenda, de outro, foi feita pela advogada Renata Pimentel, filha do desembargador Sideni Pimentel.
Ela não é parte no processo, mas recebeu R$ 920 mil em 24 de outubro de 2022, depois que o negócio foi, enfim, liberado.
Conversa de Whats App
A negociação consta em áudios e mensagens via WhatsApp trocados entre Júlio Greguer e Renata. Primeiramente, ela dá um preço aos herdeiros de Darci Bazanella e afirma que eles não pagariam
mais de R$ 1,9 milhão para viabilizar a venda da fração da fazenda por meio de decisão judicial. Na sequência, Júlio Greguer repassa mensagens, provavelmente de seus clientes, com valores para “fechar” o negócio:
“880 k à vista 120 k segunda parcela” e “E 500 do por fora nos 4 apartamento do inventário”.
Traduzindo: as mensagens encaminhadas por Greguer a Renata Pimentel tratavam de um pagamento de R$ 880 mil à vista, uma parcela de R$ 120 mil, e ainda R$ 500 mil “por fora” nos quatro apartamentos do inventário. Os imóveis, localizados na cidade de Birigui (SP), integravam o espólio juntamente com a Fazenda Santo Antônio.
A negociação teve início em setembro de 2022. O mês começou com Greguer e Renata trocando elogios mútuos, até que, no dia 8, a filha de Sideni Pimentel pediu para Greguer passar “por lá” para acertar o “nosso ganha-pão”, e disse que ele precisaria chegar antes de um homem identificado como “Cláudio Comprador”.
A negociação
Depois de fechar os valores com Greguer, Renata Pimentel trocou mensagens com o advogado do comprador, Gabriel Marinho, e ainda enviou a ele uma minuta do contrato, em que Bergmann, cliente de Marinho, pagaria R$ 20 milhões pela fazenda — R$ 10 milhões à vista e o restante dividido em três parcelas anuais de R$ 3,33 milhões, a serem pagas em maio de 2023, maio de 2024 e maio de 2025.
O contrato trazia a ressalva de que o comprador poderia reter a última parcela até que a Justiça liberasse a venda da fazenda sem o pagamento do imposto.
No dia seguinte, após falar com Marinho, Renata avisa, em conversa com Greguer, que o advogado do comprador poderia “melar o negócio”.
“Agora que chamo, ele vai ter que se sentir parte, senão, fudeu (sic)”, diz ela.
“Assim, aparentemente RENATA informa a JÚLIO que terão que repassar parte do dinheiro a GABRIEL MARINHO, advogado do comprador CLÁUDIO, para que ele não impeça o negócio que estavam fazendo”, alega a PF.
Naquele mesmo dia, 13 de setembro de 2022, Renata volta a falar com Marinho e envia a minuta do contrato em que Júlio Sérgio Greguer Fernandes representa o espólio de Darci Bazanella e o comprador é Cláudio Bergmann.
Na cláusula primeira, consta a informação de que a área precisa de alvará judicial nos autos do inventário e que o inventariante se compromete a praticar todos os atos necessários à sua expedição.
Na sequência, Renata propõe a Gabriel: “Consegui tirar 100 k (R$ 100 mil) para matar os seus 50 p cada 1 (R$ 50 mil para cada um), assim que ela recebe (sic) a entrada do Cláudio, pode ser?”
“Negócio tá pronto”
A negociação se estendeu até o dia 15 de setembro. No dia 14, Renata perguntou a Gabriel Marinho se poderia ligar — seria sobre “$” (dinheiro). E no dia seguinte, Gabriel Marinho mandou mensagem em um grupo criado entre os envolvidos no negócio (Gabriel, Renata, Sérgio...) e disse: “Negócio tá pronto”.
Marinho ainda avaliou em 10% a chance de o alvará não sair, por causa de “cabeça de juiz”.
Na sequência, Renata, filha do desembargador Sideni Pimentel, respondeu rindo: “kkk boa”.
Aparentemente, tudo correu bem. Júlio Greguer procurou Renata no dia 18 de outubro de 2022, informando que emitiria nota dos R$ 470 mil. “Falei com o Bruno, a gente tá precisando emitir nota, tá? Tá precisando de lastro. Não perder, pagar, pagar paga, não perder”, justificou.
Renata respondeu em seguida, com erro de grafia na palavra “sessão” da Câmara Cível do Tribunal de Justiça: “Vamos p cessão (sic), recompensa pelo nosso trabalho”.
No mesmo dia, Júlio Greguer enviou a Renata o comprovante de R$ 1 milhão transferido de Cláudio Bergmann para o escritório de Júlio, ao que Renata Pimentel comemorou: “Aí simmmmm”, e complementou: “Pagou”.
Os pagamentos recebidos por Renata, conforme identificado pela Polícia Federal, foram feitos por Bruno Romero, sócio de Júlio Greguer, e pelo próprio Cláudio Bergmann.
“Bruno informa que emitiu NF e envia áudio dizendo que colocou na nota ‘prestação de assessoria jurídica para aquisição de imóvel rural’ e ‘não indiquei o número do processo, nem vou fazer isso’”, relata a Polícia Federal em documento enviado ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Cristiano Zanin, relator da Operação Última Ratio.
De fato, Renata recebeu R$ 920 mil (pelo menos) neste negócio: um Pix de R$ 530 mil enviado pelo sócio de Greguer, e mais R$ 390 mil de Cláudio Bergmann.
Pai de intermediadora relatou liberação de fazenda no TJ De posse da negociação, a Polícia Federal traçou a seguinte linha do tempo: em 23 de março de 2023, no processo de inventário de Bazanella, Júlio Greguer requer novamente a expedição de alvará para venda da fração da Fazenda Santo Antônio. Em outubro do mesmo ano, o juiz de primeira instância indefere o pedido.
Em 14 de dezembro de 2023, Júlio Greguer interpõe um agravo de instrumento no Tribunal de Justiça, buscando reformar a decisão. Em 14 de maio de 2024, a decisão é proferida pelos desembargadores: Sideni Pimentel (relator), Vladimir Abreu e Júlio Roberto Siqueira Cardoso, liberando a venda — sem pagamento do ITCD ao governo — da fração da Fazenda Santo Antônio.
No relatório enviado ao ministro Cristiano Zanin, a Polícia Federal ainda levanta suspeita de fraude fiscal: no inventário, a fazenda é avaliada em R$ 1,123 milhão, mas a transação entre o espólio de Bazanella e Cláudio Bergmann teria sido de R$ 20 milhões.