G1/PCS
ImprimirO Congresso Nacional protegeu seus parlamentares em mais de 250 pedidos de abertura de processo criminal apresentados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e autorizou apenas um processo contra parlamentar entre 1988 e 2001.
Levantamento do g1 com base nos registros públicos da Câmara e do Senado aponta que, no período, apenas um parlamentar teve a abertura de processo aprovada pelo Congresso. Agora, mais de duas décadas depois, a Câmara aprovou a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem.
Na época, acusados de corrupção e até de comando de grupo de extermínio foram blindados pelo Congresso.
No período, vigorou uma regra, na Constituição, que estabelecia que deputados e senadores somente poderiam ser processados criminalmente com autorização prévia da Câmara e do Senado — a depender do parlamentar.
O trecho foi removido pelo Congresso, no início dos anos 2000, em um movimento que também restringiu outras imunidades parlamentares.
⛔ Entre 1988 e 2001, Câmara e Senado travaram o andamento de processos, e rejeitaram, arquivaram ou ignoraram 253 pedidos enviados pelo STF para processar parlamentares. Há casos nos quais o Congresso segurou os pedidos até a morte, cassação ou fim do mandato do parlamentar.
Apenas uma fatia pequena do montante (17%) foi efetivamente rejeitada em plenário. Na Câmara, foram 25 pedidos de autorização rejeitados; no Senado, 18. A proteção beneficiou, inclusive, congressistas acusados de crimes graves, como tentativa de assassinato e homicídio.
Em 1993, por falta de votos, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara rejeitou um parecer do então deputado José Genoino (PT-SP) que concedia a licença e travou um processo criminal contra Nobel Moura (PSD-RO).
Moura havia sido acusado de tentar matar um caminhoneiro, que havia estacionado o veículo em frente a um estabelecimento do então parlamentar, com disparos de arma de fogo.
Com a rejeição na CCJ, o processo contra Nobel Moura ficou travado até a cassação do deputado, ocorrida meses depois. A pena não veio, no entanto, por este motivo ou pelo fato de Moura ter desferido socos contra uma parlamentar dentro do plenário da Câmara.
Nobel Moura foi cassado com base em queixas de que ele controlava um esquema, denunciado pelo então deputado Jair Bolsonaro, de pagamento de dezenas de milhares de dólares em troca da filiação de deputados ao PSD.
Em 2001, ele foi condenado pela Justiça por ter sido mandante do assassinato do radialista Marinaldo de Souza, na zona rural de Porto Velho (RO).
Valdemar se beneficiou com regra
Outro caso semelhante é o do ex-deputado Hildebrando Pascoal (AC). Dois pedidos do STF ficaram travados por semanas até a cassação do mandato de Pascoal, pela Casa, em 22 de setembro de 1999.
Ele era acusado de comandar um grupo de extermínio e participar de organização criminosa no Acre, incluindo o uso de uma motosserra. Anos depois, Hildebrando Pascoal foi condenado a mais de 100 anos de prisão.
Principal cacique partidário da oposição nos dias de hoje, Valdemar Costa Neto (PL) foi um dos que se beneficiou da regra para escapar de processos durante o mandato. Foram três ações travadas pela Câmara até o deputado deixar a Casa.
No Senado, uma série de pedidos de investigações sobre delitos eleitorais foi barrada pela Casa.
Em 2000, o Supremo pediu autorização para investigar o então senador Luiz Estevão por suposto desvio de verba pública na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
A Casa não analisou o pedido, mas, quatro meses depois, decidiu cassar o parlamentar — o primeiro senador cassado na história.
Único aval
No período em que a Constituição garantiu o poder de barrar processos criminais contra parlamentares, o Congresso deu aval a apenas uma ação.
🚘 Em 1991, o Supremo pediu autorização para apurar uma denúncia contra o então deputado Jabes Rabelo (PTB-RO). Ele havia sido acusado, pela Promotoria de Justiça de Rondônia, de ter cometido o crime de receptação de veículo roubado.
Segundo a apuração, Rabelo teria comprado um carro Ford F-1000 de um de seus empregados. O então deputado pagou 75 milhões de cruzeiros na transação. Algum tempo depois, Jabes Rabelo revendeu o veículo.
📄 O Ministério Público do estado afirmou que, durante investigação, foi descoberto que todos os documentos do veículo eram falsos.
Ao se defender em plenário, Jabes Rabelo disse ser alvo de perseguição política e que não seria o "primeiro nem o último a comprar, por desconhecimento, um carro com o chassi adulterado".
A justificativa não colou, e o plenário da Câmara concedeu autorização ao Supremo para processar o parlamentar. Foram 366 votos a 35.
Alguns meses depois, o conjunto dos deputados decidiu cassar Jabes Rabelo por outro episódio: um suposto envolvimento com tráfico de drogas e a emissão de uma carteira funcional falsa da Câmara para o seu irmão, detido com cocaína.
No Senado, houve um caso em que a licença foi concedida a pedido do próprio parlamentar. O então senador Bernardo Cabral (AM) queria que um processo de calúnia tivesse continuidade no STF para que ele pudesse provar que o que havia dito era verdade.
Autor da mudança também se livrou
O Congresso também livrou o então senador Ronaldo Cunha Lima (PB) de ser investigado por tentativa de homicídio contra o ex-governador da Paraíba Tarcísio de Miranda Burity.
Cunha Lima é o autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que eliminou a autorização prévia da Constituição.
Ele foi alvo de dois pedidos de abertura de processo, que acabaram negados pelo plenário do Senado. O STF tornou Ronaldo Cunha Lima réu em 2002, logo depois da promulgação da emenda que ele próprio foi autor.
Em 2007, depois de renunciar ao mandato de deputado federal, ele perdeu o foro privilegiado, e o Supremo decidiu que cabia ao Tribunal do Júri de João Pessoa julgar o caso. Ele faleceu em 2012, sem ser julgado.