TMN/PCS
ImprimirA Operação "Compliance Zero", que culminou na prisão do controlador do Banco Master e na decretação da liquidação extrajudicial da instituição pelo Banco Central, enviou ondas de choque imediatas para os servidores do município de São Gabriel do Oeste, a 137 km de Campo Grande.
O Instituto de Previdência Social dos Servidores Municipais de São Gabriel do Oeste (SGO-PREV) mantém em sua carteira um ativo que, da noite para o dia, transformou-se em um "crédito podre": uma Letra Financeira (LF) no valor de R$ 3,4 milhões.
Documentos obtidos por nossa reportagem revelam que a gestão do SGO-PREV apostou pesado na promessa de rentabilidade do Banco Master. O instituto adquiriu um título de dívida (Letra Financeira) com vencimento para 10 anos, atrelado a uma taxa de juros de IPCA 7,15% ao ano.
Para o mercado financeiro, uma taxa tão alta acima da inflação é, historicamente, um sinal de alerta de risco de crédito. No entanto, para o comitê de investimentos local, o papel parecia seguro. Em julho de 2025, esse único investimento representava 4,30% de todo o patrimônio do fundo previdenciário da cidade.
“Esse processo é como se fosse uma licitação, temos que pegar vários orçamentos e o menor valor é o que obrigatoriamente temos que adquirir", explica o diretor do SGO-PREV, José Luiz Ribeiro de Leon.
“Para isso tem um comitê de investimento, com cinco membros escolhidos entre os servidores públicos, e um conselho administrativo com representante do executivo, legislativo e mais 5 servidores eleitos que devem analisar o investimento", revela. O instituto tentou vender os títulos, mas ao contrário do município de Angélica, não teve sorte no mercado.
“Tentamos vender essas Letras Financeiras, mas a mesma não tem liquidez, e o mercado não estava comprando esses ativos", explica José Luiz.
O agravante técnico é a natureza do ativo. Diferente da poupança ou de CDBs tradicionais de varejo, a Letra Financeira adquirida pelo SGO-PREV possui travas de liquidez severas. Nos relatórios oficiais do instituto, o campo de "Liquidez para Resgate" traz a anotação: "Não se aplica". Isso significa que o dinheiro dos servidores foi "trancado" em uma aposta de longo prazo em um banco que, agora, fechou as portas.
O papel das consultorias
Como um fundo municipal comprou papéis de um banco sob suspeita? A resposta reside nos pareceres técnicos que embasaram a decisão.
Nossa apuração localizou dois “Parecer Técnico de Investimento", em nome da consultoria "Crédito amp;amp; Mercado, de São Paulo, utilizado pelo SGO-PREV para justificar a alocação.
O documento defendia a solidez do Banco Master citando a classificação de risco (rating) "BBB" da agência Fitch e o enquadramento do banco no segmento "S3" do Banco Central.
O parecer destaca a Letra Financeira como uma "opção atraente" devido à rentabilidade turbinada, minimizando os riscos de um papel sem garantia real e com prazo de uma década para vencimento.
A decisão mais questionável ocorreu em setembro de 2025, quando a consultoria defendeu publicamente a manutenção do investimento no Banco Master, classificando-a como uma decisão "prudente e benéfica".
Este parecer foi emitido justamente após o primeiro grande sinal de alerta regulatório: o veto do Banco Central à proposta de aquisição de parte do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB). Em vez de recomendar cautela ou provisionamento de risco, o documento minimizou a crise, afirmando que o Banco Master "não faliu" e que a preocupação do BC estava ligada apenas a "questões de governança e sucessão".
A defesa da consultoria foi baseada em dois argumentos: O investimento apresentou um retorno positivo, superando a meta atuarial do RPPS, com um retorno acumulado de 8,61% até agosto de 2025.
E, o segundo, o processo de investimento cumpriu todas as sete etapas de due diligence e conformidade regulatória (cotação, aprovação colegiada, atestado de compatibilidade), atestando a "diligência" da gestão do SGO-PREV.
No entanto, o foco na rentabilidade passada e na conformidade formal ignorou o risco qualitativo.
Calote institucional
A situação de São Gabriel do Oeste é delicada juridicamente. Ao contrário de pequenos investidores que possuem CDBs garantidos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) até R$ 250 mil, os Regimes Próprios de Previdência (RPPS) que investem em Letras Financeiras (LF) entram em uma "zona cinzenta" na fila de credores.
Letras Financeiras frequentemente possuem cláusulas de subordinação, ou seja, em caso de falência, são os últimos a receber, depois que o governo, os funcionários e os correntistas comuns forem pagos. Com a descoberta de fraudes contábeis pela PF, a massa falida do Banco Master pode não ter ativos suficientes para honrar esses compromissos, transformando a "rentabilidade de IPCA 7%" em uma perda patrimonial definitiva para os servidores de São Gabriel do Oeste.
O SGO-PREV agora terá que habilitar seu crédito na massa liquidanda, em um processo que deve se arrastar por anos, deixando o patrimônio dos servidores exposto à maior crise bancária da história do país.
